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segunda-feira, 1 de março de 2010

TEORIA DE EMPRESA E O CÓDIGO CIVIL DE 2002

III – Teoria da Empresa
III.1. Introdução
III.2. Conceito de empresa
III.3. Teorias da empresa e dos atos de comércio: diferença
III.4. Distinção entre empresa e sociedade
III.5. Sociedades empresárias e sociedades simples (E a situação da firma individual e da sociedade anônima?)
III.6. Considerações finais

Autor: PROF. JÚLIO GROSSI SILVA
PROFESSOR MESTRE DA FACULDADE MINAS GERAIS - FAMIG
FACULDADE ARNALDO JANSEN

III.1. Introdução
O novo Código Civil brasileiro adotou a teoria da empresa, afastando a antiga distinção entre sociedades civis e comerciais, que se fundava no objeto civil ou comercial da sociedade.
A teoria da empresa passa então a informar a nova distinção, que se baseia na existência ou não de uma estrutura empresarial, para assim classificar as sociedades em sociedades empresárias e sociedades simples.
A sociedade empresária, semelhantemente ao empresário individual, é titular de uma empresa.
Impõe-se, pois, conceituar a empresa, para, a partir desse conceito, identificar o empresário e a sociedade empresária.

III.2. Conceito de empresa
O conceito jurídico de empresa foi construído a partir de seu conceito econômico. Conforme assinala Rubens Requião, “em vão, os juristas têm procurado construir um conceito próprio para tal organização. Sente-se em suas lições certo constrangimento, uma verdadeira frustração por não lhe haver sido possível compor um conceito jurídico próprio para a empresa, tendo o comercialista que se valer do conceito formulado pelos economistas. Por isso, persistem os juristas no afã de edificar em vão um original conceito jurídico de empresa, como se fosse desdouro para a ciência jurídica transpor para o campo jurídico um bem elaborado conceito econômico.”
Pois bem, a empresa é então definida como a estrutura fundada na organização dos fatores da produção (natureza, capital e trabalho) para o desenvolvimento de uma atividade econômica.
O empresário é quem organiza e dirige a empresa, reunindo e coordenando os fatores de produção.
É, todavia, no direito italiano que a noção jurídica de empresa vai se construindo através das lições de Vivante, ainda centradas na combinação dos fatores da produção, e nas lições de Rocco, que já enfatiza a característica da “organização do trabalho de outrem”.
O grande desenvolvimento da teoria da empresa iria, porém, ocorrer com os trabalhos preparatórios do Código Civil italiano de 1942, especialmente em função dos estudos desenvolvidos por Alberto Asquini, que traçou, com base no próprio texto do Código, quatro perfis ou sentidos para a palavra empresa, e que são os seguintes: a) o sujeito que exerce a atividade organizada, que é o empresário; b) o conjunto de bens que compõem a organização, que é o estabelecimento; c) a atividade organizada, que é verdadeiramente a empresa; e, finalmente, d) a organização hierarquizada de pessoas dentro da empresa.
Francesco Ferrara, depois de analisar as várias acepções identificadas por Asquini para a palavra empresa, sustenta que a única que efetivamente corresponde ao conceito é a que a define como “atividade econômica organizada”.
Assim, temos que empresa é a atividade econômica organizada, e o empresário é o agente dessa atividade, seja este uma pessoa natural ou uma pessoa jurídica.
O código Civil brasileiro, reproduzindo o modelo adotado pelo Código Civil italiano de 1942, conceitua o empresário (art. 966) como sendo aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção de bens ou de serviços.”
Vê-se, portanto, que a condição básica para a caracterização do empresário repousa na organização. É a organização que distingui o empresário do profissional autônomo. O autônomo opera pessoalmente, ou, quando muito, com a colaboração de familiares ou de poucos auxiliares subalternos. O empresário apoia-se em uma organização, que poderá ser de pequena monta ou de grande expressão, mas que, em qualquer caso, compreenderá a articulação do trabalho alheio e de meios materiais.
Túlio Ascarelli, ao estudar a teoria da empresa, tendo em vista o Código Civil italiano, enunciou: “Precisamente para distinguir la actividad económica del empresario de la del trabajador autónomo, se debe recurrir necesariamente al requisito de la organización”.
Pois bem. Uma outra condição para a configuração do empresário é a profissionalidade, voltada para a produção de bens ou serviços. Assim, as atividades de mero desfrute, ainda que expressivas, encontram-se afastadas do âmbito empresarial. O proprietário de muitos imóveis, que os destina à locação, ou de ações de várias empresas, até com o intuito de controle, seria um capitalista, jamais um empresário.
A organização e a profissionalidade funcionam, pois, como marcas distintivas da atividade empresarial.
O empresário e a sociedade empresária operam através da organização, posto que esta se sobreleva ao labor pessoal dos sócios, que poderão atuar como dirigentes, mas que serão, de forma, predominante, os operadores direitos da atividade-fim exercida.
A empresa demanda um estabelecimento, tanto que não se concebe a existência de uma estrutura organizacional de pessoas ou de meios materiais sem que se disponha do instrumento dessa organização, que é o complexo de bens e pessoas que fazem atuar a empresa.
Mas não basta o estabelecimento para que se tenha a empresa, é necessário, para tanto, que esse estabelecimento conte com elementos de atuação (pessoas ou coisas), que o elevem a nível da organização
Não se deve esquecer que o profissional autônomo poderá estabelecer-se sem que essa circunstância venha a retirar-lhe a condição de não-empresário, porquanto o estabelecimento não subtende a organização.
A empresa pressupõe um estabelecimento, mas o estabelecimento por si só não confere a condição de empresário.
O que separa o empresário e a sociedade empresária, de um lado, do trabalhador autônomo e da sociedade simples, do outro lado, é exatamente o requisito da organização, conforme consignado no art. 966 do Código Civil.
Se os próprios sócios, ou principalmente os sócios, operam diretamente o objeto social, exercendo eles mesmos a produção de bens, ou a sua circulação, ou a prestação de serviços, o que se tem é uma sociedade simples.
A empresa existe quando as pessoas coordenadas ou os bens materiais utilizados, no concernente à produção ou à prestação de serviços operados pela sociedade, suplantam a atuação pessoal dos sócios.
A coordenação, a direção e a supervisão são pertinentes ao empresário ou à sociedade empresária; o exercício direto do objeto social, vale dizer, a produção ou a circulação de bens e a prestação de serviços são operados pela organização.

III.3. Teorias da empresa e dos atos de comércio: diferença
O vetusto Código Comercial definia o comerciante (art. 4º), albergando os aludidos "atos de comércio", que em seu artigo 4º. Dizia ser comerciante o que "faça da mercância profissão habitual". E os ditos "atos de comércio" estão arrolados no art. 19 do Regulamento 737/1.850.
Ocorre que este Regulamento 737/1.850 se valeu de um sistema eminentemente subjetivista, pouco claro e seguro, ao explicar o que são atos de comércio, causando dificuldades e mesmo contradições na definição e corolários de comerciante.
Viu-se, por isso, que a "Teoria dos Atos do Comércio" era insuficiente para garantir as relações mercantis. Assim, o Brasil observou uma fase de transição em que paulatinamente veio a ser adotada a "Teoria da Empresa", deixando fora do alcance do Direito Comercial tão somente as atividades desempenhadas pelas empresas rurais, as que envolvem transações imobiliárias e as atividades desenvolvidas em caráter intelectual/científico.
Essa "Teoria da Empresa" dá prioridade à organização dos fatores de produção para a criação ou circulação de bens e serviços, não se importando com nomenclaturas. O novo Código Civil, à toda evidência, agasalhou a "Teoria da Empresa".
Neste sentido, comenta JORGE RUBEN FOLENA DE OLIVEIRA:
"Com o reconhecimento da teoria da empresa, em que se dá prioridade à organização dos fatores de produção para a criação ou circulação de bens e serviços, perdeu sentido a distinção entre as sociedades comerciais e civis, porque, como esclarece José Edwaldo Tavares Borba (1986:26), "a teoria da empresa passaria a informar esse novo critério diferenciador".

III.4. Distinção entre empresa e sociedade
Não há a menor dúvida de que a sociedade e a empresa normalmente coexistem, embora se deva admitir a possibilidade, mais teórica do que prática, de uma sociedade sem empresa - uma sociedade constituída para a realização de um só ato, por exemplo – como pode acontecer nas chamadas sociedades acidentais (parágrafo único do art. 981 do Novo Código Civil), pois, ressalte-se, às sociedades constituídas para um único negócio não se pode atribuir a qualidade de empresária, dado que inexiste, no caso, uma empresa. Não se deve esquecer também do caso da sociedade que, constituída, permanece inerte, sem desenvolver objeto social.
É inquestionável que existem entre sociedade e empresa conexões muito próximas, a ponto de ser difícil conceber uma sociedade sem empresa. Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que entre as mesmas haja diferenças nítidas.
Para o Prof. DARCY ARRUDA MIRANDA JÚNIOR, seguindo o entendimento de Franceschelli, a empresa não é sujeito nem objeto de direito. A sociedade, contudo, quando regularmente constituída e arquivada no registro peculiar, dá nascimento a uma pessoa jurídica.
Já para FRAN MARTINS, a empresa é objeto de direito e não sujeito de direito.
Deve-se considerar, também, que a extinção da empresa não importa, pelo menos do ponto de vista legal, na liquidação da sociedade, dado que, enquanto não se pode falar em empresa destituída de atividade, é possível dizer-se tal relativamente à sociedade.
A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade, contrariamente à empresa que é, justamente, o exercício de uma atividade.
Cabe assinalar ainda, que as obrigações assumidas pelos sócios relativamente a terceiros, em decorrência do contrato social, prevalecem, ainda que a empresa não tenha sido constituída ou jamais venha a sê-lo, em conseqüência do não início das atividades sociais, ou, em outras palavras, os efeitos jurídicos decorrentes da constituição da sociedade não estão condicionados à criação ou não da empresa.
A empresa é pois uma instituição complexa, mas no momento em que aquele que a criou, o empresário, a coloca em movimento, a sua figura fica relegada a um plano secundário.
Entre nós, sob o aspecto legislativo, a figura da empresa não é desconhecida, pois dispõe o artigo 2º da CLT que "considera-se empregador a EMPRESA, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Parágrafo primeiro: equipara-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. Parágrafo segundo: sempre que uma ou mais EMPRESAS, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas".
Observe-se que o legislador trabalhista comete engano ao fazer a indicação de empresa individual ou coletiva, eis que o que existe, na realidade, é empresário individual ou coletivo (sociedade). Além do mais, a empresa, em si, não tem personalidade jurídica.
Mesmo assim, é importante tal referência, já que fica demonstrado que é o empresário (empregador) quem articula (organiza) os fatores de produção, dentre os quais o trabalho de outrem.
Concluindo, SOCIEDADE e EMPRESA não são expressões sinônimas, embora utilizadas, como tal, constantemente, na prática.

III.5. Sociedades empresárias e sociedades simples (E a situação da firma individual e da sociedade anônima?)
Outra questão polêmica é a distinção entre sociedade simples e sociedade empresária.
De fato, com a teoria da empresa adotada pelo artigo 966 do NCC, busca-se tutelar o exercício de uma atividade econômica organizada, independentemente de sua qualidade comercial ou civil. Justifica-se a igualdade de tratamento, pela submissão a praticamente aos mesmos riscos e vicissitudes da vida empresarial
A teoria da empresa não se preocupa com o gênero da atividade econômica; o que importa para ela é o desenvolvimento da atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulta na criação e na circulação de riquezas.
Entretanto, não é certo se o legislador pátrio entendeu o verdadeiro conteúdo da teoria da empresa, advinda do direito italiano. É que as emendas que foram inseridas no texto primitivo do Projeto nº 634-B/75, da forma como foram introduzidas, levam à afirmação de muitos de que o que houve, na realidade, foi, apenas, a título de modernização, uma mudança de nomenclatura, ou seja, o que é sociedade civil passará a ser sociedade simples; o que é sociedade comercial, passará a ser sociedade empresária. Reforçam essa idéia, inclusive, o disposto nos artigos 5º, V, 983 e 2.037 do NCC, bem como nas várias regras que fazem referência ao órgão de registro público do empresário e da sociedade empresária (Registro Público de Empresas MERCANTIS), dentre as quais o artigo 1.150.
Dúvidas não há, todavia, de que o NCC, ao adotar a teoria da empresa, rompeu, definitivamente, com a antiga distinção entre sociedades civis e mercantis, que tinha por alicerce o critério material da prática de atos de comércio, onde o objeto social, em regra, era o fator decisivo para distingui-las.
Se assim é, parece estranho a manutenção do adjetivo MERCANTIS na denominação do órgão encarregado do registro do empresário e da sociedade empresária, retro referido, a cargo das Juntas COMERCIAIS, nomenclatura também estranhamente mantida.
A propósito, até mesmo o nome Registro Público de Empresas Mercantis é impróprio, já que não se registram as empresas, como entes independentes; registram-se os atos relativos aos empresários e às sociedades empresárias, das quais as empresas são a expressão econômica.
Com o NCC passam a coexistir duas naturezas de sociedades – a empresária e a simples –, as quais terão seu campo de incidência, em tese, não mais vinculado à atividade econômica que ambas venham a praticar. Qualquer que seja ela, mais importante mesmo que o objeto social, será a estrutura ORGANIZADA de sua atividade econômica fator relevante para distinguir uma da outra.
ORGANIZADA, pois, é a palavra chave.
Além disso, é característica marcante na sociedade simples a atuação pessoal (individual) dos sócios, sobrepondo-se à organização dos fatores de produção.
Mas, ainda que paire dúvidas quanto ao limite que separa a sociedade simples da empresária, até porque o legislador não definiu a empresa, caberá, quiçá, à doutrina e à jurisprudência estabelecer outros critérios para diferenciar uma da outra, dentre os quais, v.g., o porte do capital social, a quantidade de sócios, de empregados, de gerentes, o tamanho do estabelecimento etc.
Frise-se que tanto a sociedade empresária quanto a sociedade simples exercem atividade econômica, sendo ambas espécies do gênero SOCIEDADE.
Afirmar que a sociedade simples não pratica atividade econômica, e, conseqüentemente, que não visa lucro, seria contradizer as disposições dos artigos 981 e 982 do NCC, sendo certo que o legislador definiu, no art. 53, a ASSOCIAÇÃO como sendo a entidade que não tem fins econômicos. Lembremos que o conceito de associação era, meramente, doutrinário.
A dificuldade maior está em que as décadas de discussões a respeito da separação entre sociedade civil e sociedade mercantil são substituídas por uma regra que trará novas perplexidades, a qual, de sua vez, reabrirá novo período de meditação para que as novas divergências sejam superadas.
É importante destacar, no entanto, que a sociedade simples não está restrita meramente ao campo das atividades ligadas à profissão intelectual, literária ou artística (parágrafo único do art. 966). Ao contrário, estende-se a qualquer ramo de atividade, desde que não se enquadre no contexto empresarial. Sua estrutura e sua organização passam, contudo, por estágios de complexidade cada vez maior, atingindo, a partir de certo ponto, o patamar em que predomina a empresarialidade, oportunidade em que deverá transformar sua natureza, de sociedade simples em sociedade empresária. Supera-se, ultrapassa-se, dessa forma, a sociedade simples, situada em estágio mais singelo e passa-se a acolher a figura da sociedade empresária, não porque pratique o comércio, nos moldes tradicionalmente aceitos, mas porque pratica a atividade empresarial, de contornos muito mais amplos. Deixa, assim, de ter relevo o objeto da sociedade; qualquer que seja ele, se a estrutura criada para o exercício das atividades que lhe sejam próprias assumir características empresariais, a instância administrativa de registro será o Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial). Caso contrário, mesmo que ela pratique o que, até então, se denomina ato de comércio, por não ter atingido o degrau da empresarialidade, será simples, registrando seus atos perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Nessa evolução, podemos distinguir três etapas:
a) a do profissional autônomo, atuando isoladamente;
b) a do mesmo profissional, associado a outro ou outros profissionais em sociedade simples (registrável perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas), que não se organizem em caráter empresarial e que se limitem a reunir esforços para que possam melhor atender diretamente à clientela, sem que entre eles e os clientes se interponha a empresa, e sem que a sociedade, em si mesma, tenha, necessariamente, fim lucrativo, bastando-lhe remunerar o trabalho prestado, individualmente, pelos sócios. Portanto, a sociedade que desenvolver uma atividade pelos próprios sócios, de forma pessoal, praticando eles mesmos atos do objeto social e executando o núcleo de sua atuação, não será considerada empresária. Neste caso, tem-se a configuração de uma sociedade simples;
c) e, por último, a organização empresarial, cuja estrutura conduz ao registro no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial).
Pelo exposto, temos que uma sociedade não será empresária, mas simples, quando a atuação pessoal dos sócios suplantar a organização dos fatores de produção. Na sociedade simples, o critério reside, em princípio, na predominância da atividade pessoal dos sócios. O exercício DIRETAMENTE pelos sócios dos atos singulares inseridos no âmbito da atividade econômica em razão da qual a pessoa jurídica foi constituída lhe imprime o caráter de sociedade simples. É o caso de dois médicos que se unem para clinicar. Enquanto desenvolvem sua profissão em consultório, mesmo com o auxílio de uma secretária, não se encontram abrangidos pelo conceito de empresário.
A sociedade simples é, em síntese, a sociedade não empresária, ou seja, aquela sociedade que explora atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços SEM ALGUM DOS FATORES DE PRODUÇÃO (capital, mão de obra, insumos e tecnologia).
São as sociedades de fins econômicos em que a ESTRUTURA E MÉTODOS DE TRABALHO não prevalecem sobre a atuação pessoal dos sócios, segundo os ensinamentos de FÁBIO ULHOA COELHO.
Já aquelas sociedades que se cercarem de uma estrutura organizacional, como médicos reunidos na direção de seu próprio hospital, contando com pronto-socorro, laboratório, radiologia e empregando outros médicos, enfermeiras, atendentes etc., sua profissão constituirá fundo ou elemento de empresa, qualificando-se como sociedade empresária.
Ambos os exemplos nos são fornecidos pelo Prof. FÁBIO ULHOA COELHO em seu Manual de Direito Comercial.
Ressalte-se que caberá aos interessados a opção por qualquer das duas formas associativas (sociedade simples ou sociedade empresária), não havendo razão para o Poder Público, representado pelas instituições incumbidas do registro público de uma ou de outra (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial), criar qualquer obstáculo, discutindo o motivo ou os fundamentos de ordem econômica dessa opção. E a razão disso é óbvia: somente os interessados é que poderão avaliar se a atividade a ser desenvolvida pela sociedade da qual eles farão parte é suficientemente estruturada (organizada) para ser considerada empresária ou não.
E é de suma relevância saber se a sociedade é empresária ou simples, porque daí resultará a obrigatoriedade de inscrição de seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
O equívoco quanto ao órgão registrário competente pode acarretar graves conseqüências, porquanto a aquisição da personalidade jurídica, com o efeito de operar a separação patrimonial e jurídica da sociedade e dos sócios, somente se perfaz com o devido registro pertinente. O princípio de que a sociedade se distingue dos seus membros (societas distat a singulis) exige o registro como elemento constitutivo de sua operatividade.
Mantém o NCC, assim, a sistemática de condicionar a aquisição da personalidade jurídica dos entes abstratos à inscrição de seus atos constitutivos, mencionado, em vez de registro no órgão peculiar (atual Código Civil, art. 18), o registro respectivo e registro próprio (NCC, arts. 45 e 985).
É possível divisar que a entrada em vigor do NCC provoque interpretações equivocadas e uma irrefletida corrida às Juntas Comerciais para o registro de qualquer sociedade de fins econômicos, sem atentar para o seu caráter empresarial ou não.
Em relação às sociedades anônimas não subsiste qualquer dúvida, porque, levando em conta apenas a sua forma de constituição, a nova legislação civil, a exemplo do que já faz a atualmente vigente, as considera empresárias. Todavia, quanto as demais sociedades, é preciso identificar se possuem feição empresarial, segundo os parâmetros apontados, a partir da moderna Teoria da Empresa.
Se a sociedade for uniprofissional, com a execução das atividades pelos próprios sócios, de forma pessoal e com responsabilidade profissional, como sociedade de médicos, contadores, engenheiros, arquitetos e todas as específicas de profissões liberais será, em princípio, considerada sociedade simples, sujeita à inscrição de seus atos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Ainda que não se trate de sociedades uniprofissionais, são também sociedades simples aquelas cuja atuação individualizada dos sócios, para a realização de seu objeto social, supere a organização dos fatores de produção. A pessoa jurídica, nesta hipótese, é mero aspecto formal de compartilhamento de meios, recursos e bens para uso comum de cada sócio. Não se tem, genuinamente, uma sociedade empresária. Tal sucede, por exemplo, na constituição de uma sociedade de cabeleireiros para rateio de um espaço comum e divisão das despesas.
As sociedades de participação, as chamadas holdings puras, por não se caracterizarem pelo exercício de uma atividade econômica organizada para a criação ou circulação de bens ou serviços, na definição de empresário contida no art. 966 do NCC, são consideradas sociedades simples, sujeitas ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
Uma vez escolhida, pelo interessado, a natureza de sua sociedade (simples ou empresária), estará fixada a competência do órgão público de registro (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial), a qual deve prevalecer quanto aos atos subseqüentes, não mais podendo aquela, uma vez delimitada, ficar a mercê da vontade das partes.
É importante que se diga que a competência da Junta Comercial ou do Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, conforme o caso, haja deferido o arquivamento dos atos constitutivos, não pode ser contestada pelas autoridades que fiscalizam o exercício de suas atividades ou se incumbem de efetuar o seu cadastramento ou sua inscrição fiscal.
Desta forma, muitas sociedades, que a doutrina atual reputa civis poderão inserir-se no regime das sociedades empresárias, sendo a recíproca também verdadeira, ou seja, muitas sociedades consideradas comerciais poderão revestir-se da natureza de sociedades simples, podendo estas adotar, inclusive, um dos tipos de sociedade empresária regulados no art. 1.039 e segs. do NCC. Não o fazendo, subordinar-se-ão às normas que lhe são próprias (art. 983). Repetiu-se, assim, a regra do Código Civil vigente no sentido de permitir que a sociedade civil se revista das mesmas formas das sociedades comerciais (art. 1.364).
Frise-se que, mesmo que a sociedade simples adote uma das formas da sociedade empresária, ainda assim sua natureza será de sociedade simples. Neste sentido o Enunciado nº 57 do Centro de Estudos do Conselho de Justiça Federal.
Dizer, entretanto, que, compulsoriamente, as atuais sociedades civis devem passar a ser empresárias não parece ser, s.m.j., o entendimento mais correto.
É importante que se diga que a afirmação de que a regra será a sociedade empresária e a exceção a simples deve ser vista com bastante cautela, eis que, na prática, tomando-se por base as sociedades existentes sob a égide da legislação vigente, o que se observa é justamente o contrário, pois poucas são aquelas que nascem (a menos que se constituam, por exemplo, sob a forma de S/A) ou adquirem, ao longo de sua existência, estrutura organizada que lhes permita atingir o almejado patamar da empresarialidade.
Para o órgão de registro público, seja ele a Junta Comercial ou o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, a grande modificação reside no fato de que, a partir do novo Código, não se examina mais apenas o aspecto formal do documento, devendo ser analisados também o seu conteúdo e o ato jurídico em si, sem que, com isso, passe aquele a exercer função julgadora.
O tempo se encarregará de dizer se o aqui exposto tem ou não procedência.
Em suma: As sociedades simples são as que não dispõem de uma estrutura organizacional e as que, mesmo dispondo, dedicam-se a atividades intelectuais, a atividades rurais (agricultura e pecuária) e a negócios de pequeno porte (pequena empresa), cabendo registrá-las no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. As sociedades empresárias são todas as demais (art. 982), inclusive a sociedade dedicada a atividade rural, contanto que se inscreva no Registro Público de Empresas mercantis (art. 984).

III.6. Considerações finais
A unificação do Direito Civil com o Direito Comercial é uma velha aspiração de vasta corrente de juristas. O novo Código Civil seguiu esta orientação, mas de maneira parcial. A pretendida unificação somente ocorreu, efetivamente, quanto aos contratos e obrigações. Equivale dizer que não há mais distinções entre contratos e obrigações civis e comerciais.
Outrossim, muitos regramentos de Direito Comercial continuam a existir fora do Código Civil, em verdadeiros microssistemas. Assim, ainda persistem o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a Lei das Sociedades Anônimas, por citar apenas dois.
No entanto, não deixa de serem significativas as introduções e sistematizações trazidas pelo novo Código Civil, máxime à ênfase empregada à "empresa", sepultando de vez os anacrônicos "atos de comércio."

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