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domingo, 21 de fevereiro de 2010

O CRIME, O CRIMINOSO E A CRIMINALIDADE.

SIDNEY CESAR SILVA GUERRA.
Pós-Graduado em Direito Civil (UNESA – R. J.).
Mestrando em Direito (UGF – R. J.).
Professor da UNIGRANRIO.


RESUMO.

O crime dá origem a uma perda material como também provoca uma sensação de insegurança por parte da sociedade, provocando o desequilíbrio das estruturas sociais. Partindo deste ponto de vista, o presente artigo tem por objetivo discutir o crime, a criminalidade e o criminoso, através das seguintes temáticas: a sociedade e o crime além de alguns fatores sociais da criminalidade. As análises permitiram chegar a conclusões para que paremos e reflitamos sobre o sistema penal, que cria e reforça as desigualdades sociais e sobre a sociedade que está vinculada a juízos de valor e esteriótipos. Desta forma, as conclusões alcançadas são no sentido de que o problema do crime e da criminalidade antes de ser um problema de Ordem Pública é, sem dúvida, um problema de Ordem Social.


I. INTRODUÇÃO.

“O homem é um ser eminentemente social”, já ensinava Aristóteles, e por viver numa sociedade em que os interesses são tão diferentes, ocorrem os entrechoques entre os conviventes.

Estes conflitos, que ocorrem a todo momento por motivos diversos, podem levar o indivíduo a tomar posições mais extremadas e desta forma, cometer um ato que é contrário às normas ( crime ) e, conseqüentemente, ao direito.

A criminalidade, está no seio de uma sociedade que, formada por um grupo de pessoas bastante heterogêneo, são influenciadas por uma série de fatores, destacando-se os atos sociais latentes ou não.

Dentro desta ótica, Clóvis Bevilaqua, a respeito da criminalidade escreveu:

“No crime, como no direito, e mais visível naquele do que neste, há um aspecto puramente biológico: são as raízes, os fundamentos, as condições primárias. Mas esse bolbo não germinaria se não encontrasse o meio social. Daí o aspecto social do Direito e do crime, o qual é consideravelmente preponderante.”

É notório que hoje discute-se por demais o crime, o criminoso e a criminalidade em nossa sociedade. Tal discussão ocorre no seio da família, nas igrejas, nas escolas, por instituições políticas, por representantes do Poder Judiciário, por organizações não-governamentais, enfim por todos.

Na verdade, a criminalidade passou a ser um tema importantíssimo dentro de nossa conjuntura social pois hoje são detectados índices alarmantes de crimes que são realizados diariamente em toda parte do mundo.

Crimes praticados em função de crenças religiosas, em função da cor da pele, em função de convicções políticas ou ideológicas, em função da desigualdade social, em função da fome, por ciúmes ( os chamados passionais ) e por várias outras razões que ocorrem no dia a dia das pessoas que vivem em determinada sociedade.

Mas quais razões podemos apontar para que ocorra o crime? Quem é efetivamente criminoso? Como se medem os índices de criminalidade?

Assim, procuramos discorrer sobre a sociedade e o crime, alguns fatores sociais de criminalidade e, ao final, traçar alguns aspectos do criminoso.


II. A SOCIEDADE E O CRIME.

Sendo o homem um animal gregário, sua vida em sociedade não implica, porém, em que não haja uma unidade de consciência social, pois esta nada mais é que a resultante das consciências individuais, que vão compor a maioria da unidade social.

Imaginar ou pensar que as pessoas que vivem em uma determinada sociedade são iguais é utópico. As pessoas possuem características próprias, bem como ideologias, crenças, formação familiar e tudo mais que existe dentro da sociedade capaz de influenciar ou interferir na formação e capacidade do próprio indivíduo.

Estas desigualdades que ocorrem dentro da sociedade, é que induzem a situações de conflitos, que podem culminar com desavenças entres as pessoas e conseqüentemente com o crime.

Sobre esta questão tão importante para nós Júlio Pires Porto- Carrero, sintetizou:

“Um estado social que dê realmente a cada um segundo sua capacidade sem detrimento do grupo, será um estado sem noção de pena e onde o crime tomará feição tão diversa que não merecerá tal nome. Reconstituída a sociedade sob novas bases, conhecida a trama sexual dos instintos, varridos os tabus milenares e arquitetado, sob os fundamentos da nova ciência, esse mundo ideal com que se sonhou Freud, o crime deixará de existir.”2


III. OS FATOS SOCIAIS, O CRIME E A CRIMINALIDADE.

Émile Durkheim apresenta uma definição clara do que é fato social:

“É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é regra geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.”3

Daí, no entendimento de Durkhein, o fato social se caracteriza por ser exterior, coercitivo e por isso acompanhado de sanções.

Entendia também que “os fenômenos sociais devem ser tratados como coisas” e que “os fatos sociais são explicados por causas sociais”.4

A doutrina entende por crime como sendo o fato típico e antijurídico. O fato típico é composto pela conduta ( ação ou omissão ), pelo resultado ( inerente à maioria dos crimes ), pela relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado (relação de causalidade ), e também pela tipicidade.

Chama-se tipo a descrição feita pela lei da conduta proibida. Se denomina tipicidade a correlação da conduta com o que foi descrito no tipo.

A antijuridicidade significa que o fato, para ser crime, além de típico, deve também ser ilícito, contrário ao Direito.

Analisando então a definição de Durkheim e correlacionando com o conceito de crime, que é concebido pela maioria dos doutrinadores, verifica-se que o objeto do estudo é exatamente o crime como fato, como expressão de uma personalidade e de um meio social, daí o posicionamento de Roberto Lira: “O crime é fato social das mais graves conseqüências jurídicas e não fato jurídico de aspectos sociais.”5

O crime é, portanto, um fenômeno social e a criminalidade depende do estado social. Tenha o delito sua origem num fator biológico, endógeno ou até mesmo mesológico, é inegável que o crime é uma manifestação de vida coletiva.

O crime é produto de dois fatores: o indivíduo (criminoso) e a sociedade. Cada um desses fatores tem sua ação própria, determinada, na sucessão da criminalidade, que assumirá os mais diversificados aspectos em função de cada um deles.
A criminalidade não pode existir fora de um estado social qualquer. Sobre a criminalidade Roberto Lira leciona: “é o conjunto dos crimes socialmente relevantes e das ações ou omissões que, embora não previstas pela lei, merecem a reprovação máxima.”6


IV. O FATO CRIMINOSO.

Os acontecimentos causais não existem por si só. Verificado um fato, que é presente, busca-se a sua origem passada e seu efeito futuro. Quando se analisa também um determinado crime, verifica-se, em última análise, as condições do meio em que ele se verificou e a personalidade de seu autor no momento da ação.

As condições ambientais abrangem as circunstâncias que permitiram o desencadeamento do próprio ato, entre elas aquelas que tornaram permissível seu cometimento, como também as que teriam funcionado como inibidoras.

Com relação a personalidade do indivíduo no momento em que comete o crime, está relacionado no aspecto de como uma pessoa vai reagir diante de um fato concreto. Essa personalidade do homem com suas vivências atuais é condicionada pelo modo de ser relativamente constante ou habitual do indivíduo, aí residindo as características dessa decantada personalidade.

Deve ser levada em consideração ainda a questão do meio social. Daí, acentua-se as influências da educação no lar e na escola, a influência de parentes e outras pessoas, a convivência comunitária, condições sócio-econômicas, além é claro de outros fatores como, o alcoolismo, o uso de drogas, etc. Tais circunstâncias estão diretamente ligadas ao meio de desenvolvimento do indivíduo.

O crime assim, é produto de um determinismo ou de um indeterminismo biológico e que o livre arbítrio é ilusório. Desta ou daquela maneira, é incontestável que o crime emana, primordialmente, de fatores sociais e, como tal, adquire a imagem de uma fenomelogia individual e coletiva.



V. O MUNDO NATURAL, O MUNDO CULTURAL E O CRIME.

“Mundo natural é o mundo da natureza, do que existe por si só, ao
qual o homem está incorporado. O homem é, assim, um ser, ao
lado de outros seres. Distingue-se dos demais por ser dotado de
inteligência, qualidade que lhe permitiu criar o seu próprio
mundo - o Mundo Cultural, que é o mundo da produção de
bens.”7

De fato, o homem está incorporado à natureza e o que difere dos outros seres é exatamente o fato de ser racional. Diante desta diferença, o homem criou um mundo todo especial para que pudesse viver de uma forma melhor em sociedade.

Não se questionam as evoluções e conquistas que foram alcançadas ao longo de sua existência nos vários campos das ciências. Entretanto, o homem, dentro de seu mundo, desenvolveu uma determinada faculdade que o acompanha desde o início dos tempos, que foi o crime.

Sim, o crime é uma faculdade que, não obstante as evoluções alcançadas pelo homem ao longo da história em várias áreas, ainda não logrou êxito. O crime é inerente as sociedades humanas e o mais curioso é que quanto mais desenvolvida a sociedade, menos tranqüilidade se oferece a seus membros.

Daí a opinião bem abalizada de Newton Fernandes e Valter Fernandes sobre esta questão:

“É real que a violência e o crime, ocasionados pela fermentação de fatores sociais, aumentam dia a dia nos grandes centros urbanos, onde mais se fazem sentir e prosperar de miséria, as toxicomanias, a prostituição, a malvivência em geral. E principalmente dessa população mal preparada para a vida comunitária, subaculturada, desnutrida e malvivente, é que surgem os desajustados, os marginais, os delinqüentes, seja por causas biológicas, mas, principalmente, por fatores sociológicos. Esse quadro também ocorre em grandes metrópoles do mundo como Nova Iorque e São Paulo, por exemplo.”8

Verifica-se assim, que apesar de o homem ter criado um mundo próprio, ocorrem desigualdades sociais de toda ordem e, por isso, alguns crimes ocorram com uma freqüência maior.

Na sociedade que vivemos, ou , o nosso Mundo Cultural, como alguns autores preferem chamar, ocorrem tantas desigualdades sociais que é comum observarmos pessoas que desperdiçam comida em demasia, enquanto outros não tem o que comer; pessoas que possuem muito dinheiro e confortáveis residências, enquanto outras não tem onde morar; pessoas que se sobrepõem à outras em função do poder do dinheiro; pessoas que se prevalecem de suas condições sócio-políticas e econômicas para angariarem novos interesses; enfim, pessoas que, despojadas da sorte, não encontraram alguém que pudesse dar-lhe a mão e, conseqüentemente, se tornar a escória da sociedade que não possui outra forma de vida a não ser o crime.

Esta é a realidade da maioria das sociedades atuais, heterogênea, com diferenças sociais incríveis e sem amor ao próximo. Acolhendo o magistério de Newton e Valter Fernandes, verifica-se ainda que:

“As sociedades atuais são cruéis, desumanas, materialistas e promíscuas, para prosperar na vida o mais poderoso faz de trampolim o mais fraco e o melhor trabalho é aquele que, a par de exigir menos esforços, confere lucro maior. Acresça-se a isto o fato de que a classe política, vaidosa e inconseqüente, procura o bem próprio em detrimento do bem comum. Paralelamente, os meios de comunicação, ao invés de propiciarem o bom entretenimento, a cultura, a informação honesta e verdadeira, são, pelo contrário, veiculadores dos maus exemplos, do comportamento violento, da conduta viciosa, com reflexos daninhos para a formação moral de avantajado número de espectadores, ouvintes ou leitores, notadamente de crianças e adolescentes. Esse tipo de sociedade, inquestionavelmente de estrutura patogênica, contribui em muito para que os registros de atos anti-sociais aumentem sobremodo. Apesar disto, não pode entender o criminoso tão-somente como uma vítima da sociedade, que estar-se-ia negando-lhe condições de optar por outra conduta.”9

Hermes Lima, com relação ao mundo cultural, dizia:

“é o homem quem elabora os sistemas sociais e isto lhe é dado fazer porque é dotado de inteligência e de consciência. O homem é consciência e vontade.”10

O homem assim, não pode ser considerado apenas como vítima da sociedade, pois apesar das pressões sociais desfavoráveis sofridas pelo homem, o homem possui uma consciência e vontade próprias. De sorte, que o meio ambiente pode influenciar o indivíduo na pratica de um delito mas, o homem possui mecanismos de proteção e resistência a estas pressões externas.


VI. FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE.

Neste ponto, verificar-se-á que o crime está relacionado a determinadas condições da vida social do homem.

Assim, sem querer esgotar todos os fatores sociais que podem ter uma correlação com a prática de um fato delituoso, enumeramos alguns que parecem estar bastante ligados ao tema proposto, a saber: sistema econômico, pobreza, fome, desemprego, educação, casa e rua.


VII. SISTEMA ECONÔMICO.

A criminalidade é um dos fenômenos mais comuns da influência malsã da situação econômica, via de regra decorrendo: de contendas suscitadas pela arbitrária política salarial; do fechamento de grandes indústrias em momentos de crise; da não expansão da atividade comercial: do desemprego e da dificuldade de colação; do baixo poder aquisitivo popular que é arrostado pela inflação e pela especulação; do egoísmo da própria economia onde os que acumulam mais riquezas contribuem cada vez mais para o empobrecimento da grande maioria.11

Como resultado muitos partem para o crime, e a situação às vezes se multiplica de tal forma que a criminalidade toma um caráter patológico-social.

Daí, verifica-se que a criminalidade não deixa de ser uma resposta ou forma de contestação à desenfreada exploração econômica, à impunidade da corrupção, à manipulação dos preços, às desigualdades e injustiças sociais existentes.


VIII. POBREZA.

Quando um menino pobre, vindo de uma comunidade carente tenta uma colocação no mercado de trabalho esbarra em várias questões, e uma delas é a pobreza.

A começar pelo nível de escolaridade, a apresentação pessoal, a linguagem, o comportamento. Quando superadas todas estas fases e finalmente consegue o trabalho desejado, percebe que poderia estar recebendo muito mais dinheiro como “fogueteiro” ou “avião” de algum traficante local.

Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime. Por quê tenho que andar de ônibus se posso andar de BMW? Por quê andar com roupas surradas, se posso comprar roupas de marcas famosas? Por quê alguns possui dinheiro e a grande maioria não possui? Estas são algumas indagações que são feitas por aqueles que pensam em enveredar pela “carreira” do crime. As causas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do poder público com o poder econômico permitindo que este caminhe pararelamente com aquele, como seu subgerente na condução dos destinos do país.


IX. FOME.

A fome também é um dos fatores sociais que contribui para a criminalidade. Imagine uma conjuntura sócio-econômica em que ocorrem tantas desigualdades, e observa-se de um lado pessoas morando em luxuosos apartamentos de frente para o mar, por exemplo, e outras em baixo de um viaduto sem ter nem o que comer.

Esta questão está ligada até ao fato de preservação da própria espécie. Quando observamos os animais em uma grande selva, os mais fortes matam os mais fracos para sobreviverem pois, assim, poderão se alimentar daquela presa; tal fato ocorre por exemplo quando um leão mata uma zebra ou um cervo. É a lei da selva. Na “selva urbana”, o homem sente também esta necessidade, que como descrito acima, está relacionado à questões de sobrevivência. Assim, a lição de Jorge Severiano Ribeiro: “a fome influi sobre a criminalidade, não só quando sofre o agente, como pessoas a ele intimamente ligadas: mulher, filhos, pais, etc.”12


X. EDUCAÇÃO.

“A criminalidade por hábito adquirido é o resultado da má educação e dos maus exemplos.” 13

Partindo então deste ponto de vista de J. Maxwell, verifica-se que quando se fala em educação, de forma implícita, se fala em educação formal e educação informal. Daí, a importância de um bom aprendizado e uma boa formação nas escolas mas, esta não tem responsabilidade exclusiva, devendo também ser observada a educação em casa, no clube, na igreja, enfim, a responsabilidade é de todos e não apenas estatal. Quando se fala em maus exemplos, relaciona ao fato da educação informal, onde o indivíduo absorve grande parte de seu conhecimento de forma negativa, seja em casa ou no meio social em que vive.

Assim, Jorge Severiano Ribeiro, falando sobre escola e crime, acentua: “a educação como força inibidora do crime, parece ser coisa evidente.” 14


XI. RUA.

A rua é também um fator de criminalidade pois, na rua, o indivíduo tem a oportunidade de aprender muitas coisas, e em quase que sua totalidade, coisas que não prestam. Assim, em função das condições oferecidas pela rua ao indivíduo que é renegado pela própria família, pela escola e, de um modo geral, pela sociedade, este indivíduo que é e está carente de tantas coisas, acaba enveredando pelo caminho mais fácil que é o crime. Newton e Valter Fernandes sobre esta questão lecionam:

“A rua, com toda a espécie de maus exemplos que pode oferecer, inclui-se
no crime. Não só os logradouros públicos, como também os baixos e vãos
de pontes e viadutos, num viver promíscuo levado ao ápice só pode trazer
como resultado tudo o que não é bom, não só para os que assim vivem,
como também para a sociedade.

A rua é a própria matriz a forjar vários modelos de associais. Dela resultam vadios, contraventores, meninas precocemente prostituídas, toxicômanos, rufiões, alcoólatras, ladrões, e tudo o que de pior possa existir.”15


XII. CASA.


Quando se fala casa, imagina-se a expressão de forma mais ampla, ou seja, no aspecto de lar, de aconchego familiar e não apenas como imóvel ou local de moradia.

Quando se tem uma família bem estruturada, um lar constituído de forma satisfatória, a probabilidade de haver um desvio de conduta por parte de um indivíduo que viva nesse lar é bastante reduzida.

Entretanto, o problema pode vir ou estar dentro de casa daí a lição de Sighele:

“ O lar nem sempre oferece o remansoso aconchego de delícias;
completamente ao contrário, muitas vezes ele é o paradigma da infância,
o cadinho da impudicícia e o exemplo da maldade humana.” 16

Um lar, em que apresentam condições desfavoráveis de moradia pode influenciar também o indivíduo para o desvio de conduta e, conseqüentemente, para o cometimento de crime. Assim, Newton e Valter Fernandes lecionam:

“ Nos países subdesenvolvidos, onde proliferam as favelas, os cortiços, as
taperas, as casas de cômodos, com a natural promiscuidade disso
decorrente, em que os valores morais desaparecem, onde o número de
analfabetos ou subaculturados é muito grande, induvidosamente
propiciam, nas camadas sociais que assim vivem, a existência de um
contingente muito grande de prostitutas, viciados e traficantes de drogas,
ladrões assaltantes, homicidas, etc. E não se diga que o meio, nesses
casos, não é fator preponderante de criminalidade, embora se possa
reconhecer a coexistência de outros fatores decorrentes até do
comprometimento da própria saúde, por estados desnutricionais, pelo
alcoolismo e por outros estados patológicos oriundos da falta de higiene,
e outras condições de saneamento básico.

Lares inseridos nessas condições, não há que contestar, são verdadeira
forja de marginais.”17


XIII. O DESEMPREGO E SUBEMPREGO.

Na sociedade em que vivemos, o dinheiro é um elemento indispensável para a sobrevivência de uma pessoa nesta. Sem dúvida, já se passou a época em que o homem por si só era responsável por sua subsistência ou realizava o escambo para suprir suas necessidades.

Assim, para se ganhar dinheiro, somente trabalhando ou, numa análise mais contundente, roubando. Daí, a relação entre o emprego e o crime. Na medida em que uma pessoa necessita de um emprego para ganhar dinheiro e, conseqüentemente, viver e não consegue, ele vai praticar atos delituosos para obtenção da coisa que precisa.

Na mesma linha de raciocínio, o subemprego, que através do baixo salário auferido, por si insuficiente à manutenção própria ou da família, não deixa de ser, por suas características marcantes de instabilidade pessoal e socioeconômica, um fator a mais à influenciar a curva ascendente da delituosidade.


XIV. CONCLUSÃO.

O aumento da criminalidade parece inquietar a maioria da população, que costuma considerar esse fenômeno como um dos problemas sociais mais graves e prioritários.

A preocupação das pessoas perante o crime pode situar-se em níveis diferentes da realidade social. De um modo geral, os conhecimentos que a sociedade têm sobre a delinqüência e o delinqüente está estreitamente vinculada a juízos de valor e esteriótipos.

Neste ponto, alguns questionamentos devem ser feitos para que possamos refletir sobre estes assuntos. Partimos então para os seguintes: O que é o crime e o criminoso? Como estabelecer os níveis de criminalidade?

Apesar dos vários conceitos de crime e criminoso que a doutrina nos ensina, gostaria de ousar e colocar um posicionamento que, embora não muito freqüente, alguns estudiosos no assunto também o corroboram.16

O crime é a conduta humana que, segundo as leis penais, corresponde a um fato típico e antijurídico, ou de forma sucinta, é o comportamento contrário à norma jurídica ou ainda, na opinião bem abalizada de Francesco Antolisei “ é aquele comportamento humano, que a juízo do legislador, contrasta com os fins do Estado e exige, como sanção, uma pena.”17

Até aí nenhuma novidade e comungamos com a doutrina majoritária. A questão que nos desperta maior interesse é exatamente em relação ao criminoso e à criminalidade.

Quem é o criminoso, perguntamos, e a resposta parece ser óbvia: é quem pratica o crime. Sim, mas e aquelas pessoas que praticam crimes e o fato não é levado ao conhecimento das autoridades competentes e, conseqüentemente, não sofrem nenhum tipo de sanção e o crime não entra para a estatística? Estas pessoas são criminosas? Verifica-se então que a questão é mais séria do que pensamos pois o criminoso não é aquela pessoa que apenas comete o crime, mas, aquela que é conhecida pelo sistema criminal.

Trazemos, então, um exemplo para tentar explicar este posicionamento. Vejamos: Uma pessoa mata uma outra pessoa sem que ninguém tenha visto e, posteriormente some com o cadáver. Houve crime, perguntamos, lógico que sim, mas ele é um criminoso, perante a ele sim, mas perante a sociedade não, pois ninguém soube da existência do crime.

Dentro desta ótica, percebemos que existe certa disparidade entre o número de crimes efetivamente praticados e o número de criminosos realmente qualificados como tal.

Daí, ainda uma pergunta que me parece importante: será que nós nunca cometemos nenhuma ação criminosa ou nunca desobedecemos aos preceitos penais? Vejamos alguns dispositivos previstos no código penal e que estão no cotidiano das “pessoas de bem”: cometer adultério; receber cheque sem fundos como garantia de dívida; dar uma “gorjeta” a um policial muito gentil que resolveu “quebrar” uma multa de trânsito; dar um “presente” àquele escrivão ou escrevente para agilizar um processo; comprar um relógio ou aparelho eletrônico vindo de Miami ou do Paraguai, sem nota fiscal; dirigir sem habilitação; etc. Certamente ainda poderíamos encontrar vários outros dispositivos, que de certo, nunca foram infringidos por essas “pessoas de bem”, não é mesmo?

Então o criminoso somente é aquele que mata, assalta, tortura, estupra? É aquele que é pobre, analfabeto, vindo da favela, de cor negra? E estas “bobagens”, “coisas sem importância” que foram colocadas mais acima? E os crimes praticados por autoridades públicas e pessoas ricas que desviam, como por exemplo, títulos públicos ( precatórios ) e sonegam milhões em Imposto de Renda?

Verifica-se assim, de forma bastante clara e até contundente, a exclusão social sofrida por grande parte da sociedade. Exclusão social que Rosana Heringer e Isabel Carvalho, em pesquisa feita pelo IBASE, conceituaram como:

“a maneira pela qual convivem uma pequena parcela da população que tem
acesso à renda, consumo, serviços e bens culturais, e uma grande maioria
que encontra-se privada destes bens materiais e simbólicos. São excluídos
socialmente aqueles que, impedidos estruturalmente de ter acesso a estes
bens, constróem uma identidade individual e coletiva baseada nesta
impossibilidade de acesso, e em relação aos quais é geralmente construída
uma imagem negativa e preconceituosa associada a determinados
atributos sociais, raciais e culturais.”18

Vivemos em um clima de insegurança e violência, muitos dizem. Mas, como escalonar esta violência e transformá-la para estes altos níveis de criminalidade? Sabemos que do momento da infração até o reconhecimento do infrator há uma perda: grande quantidade de infrações ficará no que os criminólogos chamam de cifra negra, e as estatísticas são bastante falhas. Apenas como ilustração, “uma pesquisa realizada numa empresa de Friburg na Alemanha, mostrou que de 800 fatos acontecidos dentro daquela empresa e que poderiam ter sido criminalizados, somente um o foi.”19

Então, estes índices são considerados altos quando ocorrem assaltos, estupros, homicídios, e crimes praticados por policiais, a exemplo dos últimos acontecimentos nas Polícias de São Paulo e Rio de Janeiro ( Diadema e Cidade de Deus ), que tomaram amplitude mundial. Aí, são apresentados vários modelos para a prevenção dos delitos; as autoridades se pronunciam, declarando que medidas enérgicas serão tomadas; criminosos são apresentados, através da imprensa à sociedade, etc.

Desta forma, por tudo que foi exposto, verifica-se que existe uma manipulação por parte das classes dominantes com relação à criminalidade e com relação ao criminoso, daí, o juízo de valor e estereótipo.

Na verdade, existe um grande interesse em que a grande massa seja mais e mais manipulada e tenham sempre a idéia equivocada sobre o assunto, para que os verdadeiros criminosos continuem impunes, livres, andando em seus carros importados, morando em suas mansões de luxo e ainda, o que é pior, gozando de grande prestígio popular e muitas vezes, em funções públicas importantes. Daí, a idéia de que o sistema penal visivelmente cria e reforça as desigualdades sociais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 9a ed. Rio de
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HERINGER, Rosana & CARVALHO, Isabel. As várias faces da exclusão.
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HULSMAN, Louk & CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas. O sistema
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LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 5a ed. São Paulo: Atlas, 1986.

LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 26a ed. Rio de Janeiro: Freitas
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