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quarta-feira, 11 de julho de 2012

AVANÇOS E RISCOS NO COMBATE AO CARTEL



Gesner Oliveira1
Thomas Fujiwara2

O combate aos cartéis avançou nos últimos anos no Brasil. A proposta de reforma que seencontra no Congresso pode consolidar os ganhos obtidos. Conforme discutido em painel dediscussão sobre combate a cartéis no 11° Seminário Internacional do Instituto Brasileiro deCiências Criminais – IBCCRIM, a jurisprudência a ser formada nos próximos anos será crucial.Como sempre, há riscos a serem evitados.A formação de cartel constitui crime contra a ordem econômica. Trata -se de interferênciano mecanismo de mercado por meio de acordo de preços, controle das quantidades ou de divisãode mercado entre empresas concorrentes, que transfere renda dos consumidores para osorganizadores do cartel, reduzindo o bem-estar da sociedade. O consumidor sai sempre perdendo.E o contribuinte também, quando se trata de cartéis em licitações públicas, nas quais osparticipantes acertam o preço nos bastidores e o Estado paga mais caro do que deveria pelacompra de bens e serviços.No Brasil, o combate ao cartel ainda constitui novidade, sendo fruto de construção dosúltimos dez anos. A promulgação da atual lei de defesa da concorrência (Lei n. 8.884) em 1994foi um passo importante. Prevê multas de 1% até 30% do valor do faturamento das empresascondenadas, sendo que este valor pode ser dobrado em caso de reincidência.Embora alguns casos de tabelamento de preços por associações profissionais tenham sidojulgados no período 1994-98, o primeiro caso típico de carte l julgado pelo CADE ocorreu em1999. Desde então, avanços importantes foram obtidos na matéria.A Lei n. 10.149 de 2000 criou duas novas armas para o combate a cartéis. Em primeirolugar, introduziu acordo de leniência , que constitui a aplicação da delação premiada para a defesada concorrência. O delator pode obter a extinção da ação punitiva ou a redução de um a doisterços da penalidade aplicada. Tal mecanismo ataca o ponto fraco do cartel: a propensão naturalde seus participantes a romperem o acordo. A colaboração de pessoas de dentro facilita aobtenção de provas detalhadas, aumentando as chances de condenação. Em segundo lugar, a SDE1 Gesner Oliveira é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente doInstituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br - E-mail: gesner@fgvsp.br2 Thomas Fujiwara é economista e mestrando em economia pelo IPE-FEA-USP. E-mail: thomasfujiwara@yahoo.compassou a ter o poder de realizar inspeções, buscas e apreensões de registros nas sedes e filiais deempresas sobre investigação.O projeto de reforma da defesa da concorrência, enviado recentemente pelo Executivo aoCongresso, pode contribuir para o aperfeiçoamento do combate aos cartéis ao consolidar taismecanismos. Além disso, ao diminuir a duplicação de funções e promover a simplificação dosprocedimentos, permite-se maior número de investigações com a mesma quantidade de recursos.Contudo, o avanço no combate aos cartéis não requer apenas alterações nas instituiçõespúblicas, mas também mudança cultural. É preciso alterar a mentalidade de parte doempresariado brasileiro, que durante décadas foi educado pelo próprio Estado a organizar cartéis,através da fixação estatal de preços e cotas de produção. Tal mudança cultural não pode serestringir ao setor privado. As empresas públicas e os formuladores de política nos diversosministérios setoriais também precisam se enquadrar à nova mentalidade.A jurisprudência em relação a cartéis deverá se consolidar nos próximos anos. Advirta-sedesde logo para cinco riscos. Em prime iro lugar, oligopólio não é cartel. Apesar de mercadosconcentrados serem mais propícios à formação de cartéis do que os que apresentam muitosconcorrentes, a concentração não é condição suficiente para a cartelização.Em segundo lugar, deve-se evitar o “risco Casablanca” no combate aos cartéis. Ao finaldo famoso filme de 1942, o capitão de polícia Renault manda “juntar os suspeitos de sempre”para que se resolva o assassinato do vilão da estória. Seria temerário promover algo do gênero em relação a supostos cartéis. Embora seja possível estabelecer que o cartel é mais ou menosprovável em determinados setores, não seria razoável pré-julgar e estigmatizar certos segmentos.Em terceiro lugar, paralelismo de preços não constitui evidência de cartelização. Aevidência de conduta uniforme de preços entre competidores pode ser causada por fatores nãorelacionados a problemas anti-competitivos. Variações comuns nos preços de insumos, aumentosda inflação ou um padrão de concorrência onde uma firma segue as decisões da outra podemoriginar paralelismo de preços, sem que haja conduta concertada entre concorrentes.Em quarto lugar, seria equivocado desconsiderar as peculiaridades das economias emtransição. O elevado grau de informalidade de alguns mercados brasileiros constitui fenômenorelevante. Em primeiro lugar, leva a uma superestimação do poder de mercado das empresasformais. Um eventual aumento de preços seria imediatamente aproveitado pelo mercadoinformal, tornando-o pouco atraente para as empresas formais ou ineficaz caso venha a ocorrer.Em segundo lugar, a informalidade gera ruído informacional que dificulta a cartelização.Por fim, seria contraproducente conferir tratamento per se para a análise de cartéis. Seriaum retrocesso julgar casos de cartelização com base apenas em evidências formais de que houvetentativa de colusão, desconsiderando os efeitos econômicos sobre o mercado. Caso talentendimento prevaleça, as autoridades ficam obrigadas a analisar um sem-número de acordosinócuos à economia, onerando a máquina pública no sentido diametralmente oposto àquele que sedeseja na oportuna reforma ora em debate.