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quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ministro Celso de Mello alerta para uso inapropriado do HC


HC não é panaceia
Recém-formado em Direito, bacharel queria que sua carteira de estagiário se transformasse, automaticamente, numa carteira de advogado. Por isso, entrou com HC no STF. O simples erro ao querer ver ministrado o remédio heroico como se fosse uma milagrosa garrafada (daquelas que compramos em Caruaru) já seria suficiente para mostrar ao jovem que não basta ser bacharel, é preciso estudar. Mas o ministro Celso de Mello, paciencioso, explicou ao paciente que o HC não pode ser utilizado em substituição a outras ações judiciais, principalmente nas hipóteses que não têm ligação com a liberdade de locomoção física. O peticionário e nós podíamos ter ficado sem esta. Ainda mais em pleno 11 de Agosto.


Habeas corpus

Ministro Celso de Mello alerta para uso inapropriado do HC
O ministro Celso de Mello, decano do STF, alertou que a ação de HC tem finalidade específica, não podendo, por isso, ser utilizada em substituição a outras ações judiciais, principalmente nas hipóteses em que o direito-fim não tem ligação com a liberdade de locomoção física.
O alerta foi feito na decisão em que o ministro arquivou o HC (109327 - clique aqui), impetrado em causa própria por um recém-diplomado bacharel em Direito, que pretendia ter sua carteira de estagiário da OAB/RJ substituída por uma inscrição definitiva como advogado. No HC, o bacharel pedia também que o próprio relator declarasse a inconstitucionalidade da lei que exige prova para o exercício da função de advogado.
"A ação de 'habeas corpus' destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de locomoção física das pessoas, revelando-se estranha, à sua específica finalidade jurídico-constitucional, qualquer pretensão que vise a desconstituir atos que não se mostrem ofensivos, ainda que potencialmente, ao direito de ir, de vir e de permanecer das pessoas", afirmou o ministro.
Celso de Mello ressaltou que o STF, atento à destinação constitucional do HC, não tem conhecido os HCs quando utilizados, como no caso em questão, em situações que não envolvam qualquer ofensa à liberdade de ir e vir. "É que entendimento diverso conduziria, necessariamente, à descaracterização desse instrumento tutelar da liberdade de locomoção. Não se pode desconhecer que, com a cessação da doutrina brasileira do habeas corpus, motivada pela Reforma Constitucional de 1926, restaurou-se, em nosso sistema jurídico, a função clássica desse remédio heróico", enfatizou Mello.
Quanto ao caso específico, o ministro afirmou que "mesmo que fosse admissível, na espécie, o remédio de habeas corpus (e não o é!), ainda assim referida ação constitucional mostrar-se-ia insuscetível de conhecimento, eis que o impetrante sequer indicou a existência de ato concreto que pudesse ofender, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir e permanecer do ora paciente".
"Vale insistir, bem por isso, na asserção de que o habeas corpus, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas. Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica o emprego do remédio heróico do habeas corpus, por não estar em causa a liberdade de locomoção física", enfatizou o decano do STF.
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MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 109.327 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
PACTE.(S) : R. I. A.
IMPTE.(S) : R. I. A.
COATOR(A/S)(ES) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
EMENTA: PRETENDIDA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM (LEI Nº 8.906/94, ART. 8º, IV, E § 1º). INVALIDAÇÃO DA INSCRIÇÃO COMO ESTAGIÁRIO. CONSEQÜENTE OUTORGA, AO IMPETRANTE, DE INSCRIÇÃO, NOS QUADROS DA OAB, COMO ADVOGADO. UTILIZAÇÃO, PARA TAL FINALIDADE, DA AÇÃO DE “HABEAS CORPUS”. INADEQUAÇÃO ABSOLUTA DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO. CESSAÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO “HABEAS CORPUS” (1926). INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DE “HABEAS CORPUS” COMO SUCEDÂNEO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. “HABEAS CORPUS” NÃO CONHECIDO.
DECISÃO
Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, em que são apontados, como autoridades e órgãos coatores, a “Presidência da República, Ministro da Educação, Presidente do Conselho Nacional da OAB, Presidente da OAB-RJ, Ministro das Comunicações e STF”.
Busca-se, em síntese, nesta sede processual, (a) “que o autor tenha imediatamente restabelecida a condição de ir e vir com seus pertences, hoje apropriados pela Presidência da República (...)”; (b) “que, de imediato, haja o cancelamento da inscrição suplementar, que contém o número de identificação do impetrante junto à OAB/RJ, e que se expeça carteira com o nome do autor (...)”; (c) “que o julgador, por si mesmo ou submetido ao Plenário, declare a inconstitucionalidade da lei que exige prova, para exercer função de advogado” (grifei).
Sendo esse o contexto, passo a examinar a questão pertinente à admissibilidade, na espécie, da presente ação de “habeas corpus”.
Tenho para mim que se revela processualmente inviável a presente impetração, por tratar-se de matéria insuscetível de exame em sede de “habeas corpus”.
Como se sabe, a ação de “habeas corpus” destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de locomoção física das pessoas, revelando-se estranha, à sua específica finalidade jurídico-constitucional, qualquer pretensão que vise a desconstituir atos que não se mostrem ofensivos, ainda que potencialmente, ao direito de ir, de vir e de permanecer das pessoas.
É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, atento à destinação constitucional do “habeas corpus”, não tem conhecido do remédio heróico, quando utilizado, como no caso, em situações de que não resulte qualquer possibilidade de ofensa ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque” (RTJ 116/523 – RTJ 141/159).
A ação de “habeas corpus”, portanto, enquanto remédio jurídico-constitucional revestido de finalidade específica, não pode ser utilizada como sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (ou direito-escopo, na expressão feliz de PEDRO LESSA) não se identifica - tal como neste caso ocorre - com a própria liberdade de locomoção física.
É que entendimento diverso conduziria, necessariamente, à descaracterização desse instrumento tutelar da liberdade de locomoção. Não se pode desconhecer que, com a cessação da doutrina brasileira do “habeas corpus”, motivada pela Reforma Constitucional de 1926, restaurou-se, em nosso sistema jurídico, a função clássica desse remédio heróico. Por tal razão, não se revela suscetível de conhecimento a ação de “habeas corpus”, quando promov ida contra ato estatal de que não resulte, de modo imediato, ofensa, atual ou iminente, à liberdade delocomoção física (RTJ 135/593 – RTJ 136/1226 – RTJ 142/896 – RTJ 152/140- RTJ 178/1231 - RTJ 180/962 – RTJ 197/587-588, v.g.):
A função clássica do ‘habeas corpus’ restringe-se à estreita tutela da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. - A ação de ‘habeas corpus’ - desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao ‘jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque’ - não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitivamente executada.
Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do ‘habeas corpus’ – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.” (RTJ 186/261-262, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Vale insistir, bem por isso, na asserção de que o “habeas corpus”, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas.Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica o emprego do remédio heróico do “habeas corpus”, por não estar em causa a liberdade de locomoção física:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’: CABIMENTO. C.F., art. 5º, LXVIII.
I
– O ‘habeas corpus’ visa a proteger a liberdade de locomoção ─ liberdade de ir, vir e ficar ─ por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros. C.F., art. 5º, LXVIII. II. – H.C. indeferido, liminarmente. Agravo não provido.” (HC 82.880-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Pleno -grifei)
Cabe reafirmar, desse modo, que esse remédio constitucional, considerada a sua específica destinação tutelar, tem por finalidade amparar, em sede jurisdicional, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos (...)” (RTJ 66/396 – RTJ 177/1206-1207 - RT 423/327 – RT 338/99 - RF 213/390 – RF 222/336 – RF 230/280, v.g.), excluída, portanto, a possibilidade de se questionar, no âmbito do processo de “habeas corpus”, como ora pretendido pelo impetrante, a legitimidade constitucional do Estatuto d a Advocacia (Lei nº 8.906/94), no ponto em que tornou exigível, para efeito de inscrição nos quadros da OAB, a “aprovação em Exame de Ordem” (art. 8º, IV, e § 1º).
Inadmissível, por igual, consideradas as mesmas razões que venho de expor, a utilização do presente “writ” constitucional para, mediante concessão da ordem de “habeas corpus”, invalidar-se a inscrição do ora impetrante como estagiário (Lei nº 8.906/94, art. 9º), a fim de substituí-la por inscrição definitiva como Advogado.
Mesmo que fosse admissível, na espécie, o remédio de “habeas corpus” (e não o é!), ainda assim referida ação constitucional mostrar-se-ia insuscetível de conhecimento, eis que o impetrante sequer indicou a existência de ato concreto que pudesse ofender, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir e permanecer do ora paciente.
Como se sabe, a ação de “habeas corpus” exige, para efeito de cognoscibilidade, a indicação - específica e individualizada – de fatos concretos cuja ocorrência possa repercutir na esfera da imediata liberdade de locomoção física dos indivíduos.
O fato irrecusável, desse modo, é que, sem a precisa indicação, pelo autor do “writ”, de atos concretos e específicos, não há como reputar processualmente viável o ajuizamento da ação constitucional de “habeas corpus”.
Esse entendimento é perfilhado por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO (“Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. VII/277, item n. 1.372, 2000, Bookseller), em abordagem na qual enfatiza a imprescindibilidade da concreta indicação do ato coator:
A petição deve, pois, conter todos os requisitos de uma exposição suficientemente clara, com explanação e narração sobre a violência, suas causas, sua ilegalidade. Não se faz mister, porém, que a petição esteja instruída com o conteúdo da ordem pela qual o paciente está preso, porque esta falta não pode prejudicar, e é perfeitamente sanável.
A petição, dando parte da espécie de constrangimento, que o paciente sofre, ou está na iminência de sofrer, deve argumentar no sentido de convencer da ilegalidade da violência, ou coação (...).
É óbvio, há todo interesse, para o requerente, em precisar os fatostão pormenorizada, tão circunstancialmente, quanto lhe for possível, pois melhor se orientará a autoridade judiciária, a que é submetida a espécie (...).” (grifei)
Daí a observação feita por ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES (“Recursos no Processo Penal”, p. 362, item n. 242, 5ª ed., 2008, RT):
“O Código exige, finalmente, a menção à espécie de constrangimento e, no caso de ameaça, as razões em que se funda o temor, ou seja,a indicação dos fatos que constituem a ‘causa petendi’.” (grifei)
Esse entendimento doutrinário – que repele a utilização do instrumento constitucional do “habeas corpus”, quando ausente, na petição de impetração, menção específica a fatos concretos ensejadores da alegada situação de injusto constrangimento (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.756, item n. 654.7, 11ª ed., 2007, Atlas; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 529, item n. 20.15.10, 14ª ed., 2007, Saraiva; TALES CASTELO BRANCO, “Teoria e Prática dos Recursos Criminais”, p. 158, item n. 156, 2003, Saraiva) – reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a propósito do tema, assim se tem pronunciado:
“‘HABEAS CORPUS’ – IMPETRAÇÃO QUE NÃO INDICA QUALQUER COMPORTAMENTO CONCRETO ATRIBUÍDO À AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA – PEDIDO NÃO CONHECIDO.
Torna-se insuscetível de conhecimento o ‘habeas corpus’ em cujo âmbito o impetrante não indique qualquer ato concreto que revele, por parte da autoridade apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude.” (RTJ 159/894, Rel. M in. CELSO DE MELLO)
Não há como admitir o processamento da ação de habeas corpus, se o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto que evidencie a ocorrência de um específico comportamento abusivo ou revestido de ilegalidade.” (RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
É por tal motivo que a ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos inviabiliza, processualmente, o conhecimento da ação constitucional de “habeas corpus”, como tem advertido o Plenário desta Suprema Corte (HC 83.966-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Vê-se, portanto, que a pretensão deduzida nesta sede processual claramente evidencia que o ora impetrante, na realidade, pretende questionar“in abstracto” - sem qualquer referência concreta pertinente a uma situação específica - a própria constitucionalidade de “Lei que exige prova, para exercer função de advogado”.
Cabe ter presente, bem por isso, na perspectiva do caso ora em exame, que o remédio de “habeas corpus” não pode ser utilizado como(inadmissível) sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, eis que o ora impetrante não dispõepara efeito de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, da necessária legitimidade ativa “ad causam” para o processo de controle normativo abstrato:
“1. ‘HABEAS CORPUS’. Declaração de inconstitucionalidade de normas estaduaisCaráter principal da pretensão.Inadmissibilidade. Remédio que não se presta a controle abstrato de constitucionalidade. Pedido não conhecido. Ação de ‘habeas corpus’ não se presta a controle abstrato de constitucionalidade de lei (...).” (HC 81.489/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – Segunda Turma - grifei)
Registro, finalmente, por relevante, que Juízes do Supremo Tribunal Federal, em contexto semelhante ao que emerge deste processo, não têm conhecido de ações de “habeas corpus”, considerado o fundamento de que o remédio heróico não pode ser utilizado como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (HC 74.991/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.921/RN, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – < span style="text-decoration: underline;">HC 96.238/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO – HC 96.301/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 96.425/SP, Rel. Min. EROS GRAU – HC 96.748/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 97.763/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 103.998/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.).

Sendo assim, e em face das razões expostas, não conheço da presente ação de “habeas corpus”, restando prejudicado, em conseqüência, o exame do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 04 de agosto de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

sábado, 6 de agosto de 2011

HOMENAGEM AOS 5 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA


Lei Maria da Penha: aspectos da representação e renúncia

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Tiago Henrique Raiher
Resumo: O trabalho aqui desenvolvido tem o objetivo de auxiliar os operadores do direito, no entendimento de um dos principais pontos polêmicos da Lei Federal 11.340/06, a questão da representação e da renúncia a esta, pois a Lei trouxe ao mundo jurídico inúmeras imprevisões, destacando-se entre elas a nova regra da representação e da renúncia à representação nos crimes que especifica, as quais, sob as mais variadas interpretações, entrega ao estudioso do Direito Penal e Processual Penal uma verdadeira exegese, sempre voltando os olhos à vontade do legislador de amparar a vítima destes delitos.
I. CONCEITUAÇÃO JURÍDICO-TERMINOLÓGICA
Modernamente, sabe-se que toda ação penal, que em regra geral é pública, é instaurada para que o Estado-Administração[1] exerça um dos seus papéis mais importantes, quiçá o principal deles, o direito de punir[2] o criminoso, infelizmente nos dias atuais de forma não muito eficiente, e um dos requisitos para que haja esta intervenção estatal é a representação, exercida pela vítima ou seu representante, perante a autoridade competente, para que então o Estado-Administração esteja autorizado a realizar a persecutio criminis. [3]
Dentre os inúmeros conceitos apresentados pela doutrina, a definição que melhor expressa o sentido do termo, é dada por Cezar Roberto Bitencourt (2005):
“Representação criminal é a manifestação de vontade do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo, visando a instauração da ação penal contra seu ofensor. A representação, em determinadas ações, constitui condição de procedibilidade para que o Ministério Público possa iniciar a ação penal”. (BITENCOURT, 2005, p. 335)
Dotti (2002)[4] bem define o conceito de vítima, estabelecendo que ele se estende a vários sentidos: a) originário, em que se designa a pessoa ou o animal sacrificado à divindade; b) geral, significando a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, praticados por outrem ou resultantes do acaso; c) jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente o dano ou o perigo de dano ao bem protegido pelo Direito; d) jurídico-penal restrito, designando a pessoa (física ou jurídica) que sofre diretamente as conseqüências da violação da norma; e) jurídico-penal amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente os efeitos do crime.
De modo geral, agressor é a pessoa física, sem qualquer particularidade excepcional, a quem a lei atribui uma sanção penal quando do cometimento de algum tipo de violência contra outra pessoa física, em uma dada sociedade, provocando na vítima um dano em potencial.
A particularidade do agressor é mais concisa ao se ler o art. 7º da lei, visto que assinala minuciosamente todas as ações que tomam forma pela mão daquele, estipulando o delineamento dos tipos de violência cometidos:
Deve-se registrar, nesta senda, que o Direito Penal possui funções[5] estratégicas preventivas e repressoras, visando coibir o crime. No primeiro caso, há a divulgação geral da norma como mecanismo de desestímulo à realização da ofensa ao bem jurídico, alertando uma severa punição para o seu cometimento, e no segundo, após o delito ter tomado corpo, engrena na punição exemplar do que anteriormente tinha sinalizado, castigando o delinqüente pela sua ofensa.
II. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006
II.1. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA
A ação penal pública condicionada, como já se viu alhures, é a exceção à regra no direito penal brasileiro, de modo que está apoiada em quatro princípios informadores: [6]
1) Oficialidade – declara qual o órgão incumbido da promoção da ação penal, e o modo como deve ser proposta, estando assim o Ministério Público atrelado à agir por ofício.
2) Indisponibilidade – remete ao órgão titular da ação penal, o Ministério Público, a impossibilidade de desistência desta, não podendo dispor, declinar, ou transigir.
3) Obrigatoriedade – ao analisar o conteúdo das provas, e vendo fortes indícios delituosos, tem o órgão perseguidor estatal a obrigatoriedade de interpor a ação penal competente para ver, ao final, punido o criminoso, independentemente de nuances políticas ou quaisquer que seja.
4) Indivisibilidade – na função histórica de acusador do delinqüente, deve o membro do parquet[7] ampliar seus horizontes investigativos, fazendo alcançar, erga omnes,[8] as sanções estabelecidas pelo direito material.
Grande alvoroço trouxe a lei 11.340/06 ao mencionar expressamente no seu art. 16 a condição de representação a ser efetivada pela ofendida.
Trata-se de um procedimento determinado - até o surgimento da lei 11.340/06 -, pela lei dos juizados especiais criminais, guiado pelo art. 88 desta lei, que implicava na exigência de representação, quando o crime praticado fosse lesão corporal de natureza leve.
Contudo, esta exigência deixou de ser legítima com a vigência da lei 11.340/06, tornado-se este delito crime de ação penal pública incondicionada, objeto do próximo item deste capítulo.
Entretanto, convém colacionar aqui que Ada Pelegrini Grinover e outros (2005)[9]afirmam que “a transformação da ação penal pública incondicionada em ação penal pública condicionada significa despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato, isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é possível: a) transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação pública incondiciona em ação condicionada. Sob a inspiração da mínima intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a segunda) foi acolhida pelo art. 88 da Lei 9.099/95".
Tal é o entendimento de Porto (2006), que expressa que “em uma interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 11.340/06, antes citados, poder-se-ia concluir que o afastamento da Lei 9.099/95 é determinação genérica, relativa, precipuamente, aos institutos despenalizadores alheios à autonomia volitiva da vítima – a transação e a suspensão condicional do processo – ordinariamente vistos como institutos essencialmente despenalizadores e, como reiteradamente aplicados de forma benevolente, granjearam a má fama de serem benefícios causadores da impunidade. Entretanto, a representação continua exigível nos crimes de lesões corporais mesmo ante a qualificadora do § 9º do art. 129 do CP, visto que, apesar de ser também uma medida despenalizadora, ela concorre em favor da vítima, outorgando-lhe o poder de decidir acerca da instauração do processo contra o acusado”. [10]
Com conotação histórica, Porto (2006) esclarece que “o legislador cercou esta decisão de garantias como a exigência de que a desistência ocorra em presença do juiz e seja ouvido o Ministério Público. Ademais, o direito de decidir sobre representar ou não pressupõe a possibilidade de conciliação civil, o que, seguramente, atende a interesses da vítima, nem sempre sediados na exclusiva punição criminal do seu agressor, mas, fundamentalmente atrelados ao interesse reparatório dos danos sofridos, inclusive aqueles de caráter moral que, segundo afirma a doutrina da responsabilidade civil extramaterial, têm evidente caráter punitivo e pode importar em severa punição ao agressor. Outrossim, o art. 17 da nova Lei manifesta a preocupação do legislador com punições insuficientes nos crimes em questão”. [11]
Apregoa ainda Porto (2006) que “ao proibir a aplicação de ‘cestas básicas’ e outras de prestação pecuniária ou multa isolada, o legislador está se dirigindo tanto ao Ministério Público, nas hipóteses em que ainda seja possível a transação penal ou suspensão condicional do processo e que, ab initio, [12] parece ser apenas o caso de algumas contravenções penais (vias de fato e importunação ofensiva ao pudor) como também e principalmente ao Poder Judiciário, limitando as hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do CP). Todavia, poder-se-ia argüir que a redação desse dispositivo em consonância com o anterior revela que a intenção fundamental do legislador não era afastar a exigibilidade de representação e sim evitar, doravante, a aplicação de penas pecuniárias em caso de delitos praticados com violência contra a mulher”.[13]
A celeuma surge, a contrario sensu[14] quando se discute a impropriedade de tal exigência em face do contido no art. 3º da Lei Maria da Penha, o qual elenca, dentre tantos outros direitos assegurados, o da convivência familiar, mostrando um gigantesco obstáculo que pode ser ativado, subtraindo da ofendida o direito de reaver a paz no seio de sua família, a possibilidade de rearmoniazação do lar.
De conseguinte, consoante magistério de Cunha e Pinto (2007), [15] “na esmagadora maioria das vezes, se percebe a rápida reconciliação entre os envolvidos, servido o processo penal apenas para perturbar a paz familiar, quando a finalidade do aplicador da lei deve ser, sempre, a preservação da família...”.
É verdadeira tal assertiva, comprovada na prática, nas varas criminais, especializadas ou não nestes crimes, visto a real manifestação das vítimas no balcão dos cartórios, desejando a extinção da ação penal oportunamente iniciada nas delegacias de polícia, consoante se extrai das informações registradas nos anexos III e IV aduanados na parte final deste trabalho, levando a uma comparação entre os processos ajuizados e as audiências solicitadas pela ofendida.
Resta adequada, sem dúvida, a colocação de Porto (2006), quando adverte: [16]
“a mulher vítima de violência doméstica sofrerá pressão para desistir da representação oferecida e que, dependendo de sua condição econômica ou social esta pressão poderá exercer acentuada influência em sua decisão, não é menos certo asseverar que a Lei 11.340/06 também visa minimizar ou eliminar por completo esta constelação de fatores perversos que lhe diminuem a liberdade de escolha, criando condições propícias para uma decisão mais livre por parte da vítima, e o faz ao estabelecer importantes medidas protetivas que obrigam o agressor (arts. 22 e 23) e que beneficiam diretamente a ofendida (art. 24), além das garantias de transferência no serviço público e manutenção do vínculo empregatício (art. 9º, § 2º, I e II)”.
De outro turno, o autor assevera que a tese central de parte da doutrina que ainda aceita a exigência da representação é a de que o legislador pretendeu afastar apenas o benefício de natureza estrita da Lei 9.099/95, como é o caso da transação penal, e explica que tal situação é assim dada porque a regra do art. 88 desta lei está contida nas disposições finais da mesma, caracterizando norma acidental e não essencial.
No entanto, exatamente neste ponto Golçalves e Lima (2006) [17] frisam que, “apesar da Lei 11.340/06, em seu art. 16, determinar que nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida só será admitida a renúncia perante o juiz, tal situação não se aplica aos crimes de lesão corporal leve praticadas no âmbito doméstico, somente aos crimes em que o Código Penal expressamente determine que a ação seja condicionada à representação”.
II.2. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA
No decorrer deste trabalho, muito já se falou sobre representação, bem como da ação penal pública incondicionada.
O que se pretende aqui é demonstrar a rigidez com que deve ser tratado o instituto da representação dentro da lei 11.340/06, não somente pela ótica constitucional, mas, sobretudo, sob o prisma holístico que nos brinda a hermenêutica.
A ação penal pública incondicionada é a regra no direito penal brasileiro, visto estar alicerçada nos mesmos quatro princípios informadores explanados no item anterior, entretanto a diferença salutar é que esta não necessita autorização para ser perpetrada nos portões da justiça.
Segundo a interpretação de Gonçalves e Lima (2006) [18] sobre os crimes cometidos no âmbito familiar contra a mulher, “a Lei não fez expressamente qualquer menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata, no entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando-se os princípios que regem a matéria, e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, induz à conclusão de que tais crimes não mais dependem da vontade das vítimas para seu processamento. Significa dizer que os crimes de lesão corporal leve cometidos contra mulher na violência doméstica não dependem de representação, ou seja, voltaram a ser considerados de ação penal pública incondicionada”.
Oportuno também considerar a visão dos autores em face da Lei dos Juizados Especiais Criminais, esclarecendo que “a nova Lei não fez qualquer ressalva quanto à Lei 9099/95, ao contrário, expressamente a afastou, restaurando, com caráter repristinatório,[19] a incondicionalidade para o processamento das lesões corporais leves, de modo que o Ministério Público não precisa mais de autorização das vítimas para processar os acusados, podendo iniciar a persecução penal a partir do auto de prisão em flagrante, requerimento da vítima, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa do povo”.
Nogueira (2006) [20] emite posição aberta de que a lei quis vedar os benefícios decorrentes da aplicação da Lei do Juizado Especial Criminal aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, devendo buscar no conjunto das normas trazidas pela nova lei a vontade e os objetivos do legislador, não podendo, desta forma interpretar isoladamente determinados preceitos nela contidos, conjugando as disposições da lei, sem perder de vista os valores nela resguardados e suas finalidades.
Fixa-se, assim, tal juízo, uma vez que os crimes que devem depender de representação são aqueles em que o interesse particular à familiaridade das vítimas reprime o empenho público em penitenciar o crime.
Todavia, afirmam veementemente os autores GONÇALVES e LIMA: [21]
 “É do interesse público que tal violência cesse, não podendo o Estado tolerá-la em nenhuma hipótese. Há muito a violência doméstica deixou de ser considerada um problema conjugal, familiar, em que não se mete a colher. A opção brasileira, por determinação constitucional, é pelo seu combate:
‘Art. 226 (...)
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de sua relações.’ ” (GONÇALVES e LIMA, 2006)
Configura-se esta explicação no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual sabemos, trata-se de um dos fundamentos da CF/88, que em nenhuma hipótese deve ser dilacerado.
Para instigar o quão importante é tal fenômeno, Gonçalves e Lima (2006) ainda corroboram trazendo uma estatística preocupante: “a exigência de representação das vítimas tem gerado a total impunidade dos crimes cometidos, eis que 80% das ocorrências de violência doméstica têm sido arquivadas sob a alegação da ‘falta de interesse’ (representação) das vítimas”.
Neste sentido, já tem decidido a jurisprudência pátria, [22] gradativa e repetidamente reforçando tal posicionamento:
“As agressões do marido à mulher, embora, em nível probatório, dentro do mesmo universo conceitual dos delitos patrimoniais e sexuais, não merecem o mesmo tratamento destes. E não aceitar a palavra da ofendida, nos delitos da espécie em julgamento, implica, sempre e sempre, a absolvição, ou seja, numa permissão judicial para que se agrida as mulheres”. (BITENCOURT, 2005, p. 460).
Neste ínterim, conclui-se que, quando a lesão é cometida contra a mulher, dentro do seu convívio doméstico e familiar, deve ela independer de representação, fazendo juz à justiça social[23] ver o delinqüente denunciado, processado e apenado, não importando o status sentimental dos prejudicados.
A esse respeito, aduz Joveli (2006)[24] que “não mais depende de representação a ação penal para o crime previsto no § 9º do art. 129 do CP, no âmbito doméstico, quando a vítima for do sexo feminino, não se podendo falar, conseqüentemente, em eventual renúncia à representação em toda a persecução penal respectiva”.
Evidentemente, a interpretação sistêmica da nova lei permite compreender que a lesão corporal leve fruto de violência doméstica e familiar contra a mulher voltou a ser pública incondicionada.
II.3. A REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006 E A AÇÃO PENAL PRIVADA
Como dito no título anterior, a ação penal privada somente se processa mediante queixa, nos termos do art. 145 do Código Penal.
Impende destacar que os princípios informadores da ação penal privada, presumivelmente, divergem dos demais tipos de ação penal, pois têm, em seu bojo, a exclusividade da vontade subjetiva da vítima, claramente escorçada no primeiro dos três princípios, a ver: [25]
1. Oportunidade – este princípio representa a intenção da vítima em fazer valer o direito de resgatar sua dignidade, ficando ao seu livre arbítrio a provocação do Poder Judiciário, encarregado do julgamento dos atos delituosos.
2. Disponibilidade – trata-se da iniciativa da vítima de ter à sua disposição o comando da ação penal, desde o início do feito, se não iniciado poderá renunciar ao direito de queixa, se em andamento utilizar o perdão ou a desistência, como lhe convir.
3. Indivisibilidade – da mesma forma que as demais ação penais, a provocação judiciária toma lugar contra todos os autores, co-autores e partícipes do delito.
Entretanto, é salutar trazer à baila o comentário de Maria Berenice Dias: [26]
“A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia[...], difamação[..] e injúria[...]. São denominados delitos que protegem a honra mas, cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria, não há atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros toma conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação. (CP, art. 61, II, f).”
Conclui a autora que “estes delitos, quando são perpetrados contra a mulher no âmbito da relação familiar ou afetiva, devem ser reconhecidos como violência doméstica, impondo-se o agravamento da pena”. [27]
Destarte, não é difícil perceber que, em determinadas situações relativas à aplicação da lei aqui tratada, alguns crimes de cunho privado, que necessitariam de apresentação de queixa, justamente à autoridade competente, para conseqüente instauração de ação penal privada, podem vir a enquadrar-se como crime de violência doméstica, eminentemente pública, através de simples representação que, diga-se, não é realizada necessariamente diante de um delegado ou escrivão policial, mas também perante o promotor de justiça ou o próprio juiz competente.
III - A RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI 11.340/2006
III.1. INTERPRETAÇÃO TERMINOLÓGICA DE RENÚNCIA NA LEI 11.340/2006
Deve-se exclusivamente ao polêmico art. 16 da lei 11.340/06 as mais variadas interpretações acerca da renúncia, termo expressamente descrito no texto da lei.
Pela leitura das mais tradicionais doutrinas nacionais, divulga-se que a renúncia acontece, categoricamente, antes da iniciativa estatal de perseguir o criminoso, e a retratação, no momento imediato ao oferecimento da representação e, conseqüentemente, quando já iniciada a persecutio criminis,[28] porém antes do recebimento da denúncia pelo magistrado competente.
Silva Júnior (2006)[29] fala que “a manifestação da vítima negando autorização para a persecução penal é renúncia à representação”. E ainda discorre no sentido de que tal situação, sob a égide da ação penal pública condicionada, emerge como novidade, pois retrata uma nova possibilidade para este tipo de ação, que em tese depende de representação, tornando-a independente de vontade autorizadora da ofendida, a qual deterá seu prosseguimento por simples ato livre e consciente.
Para Gomes (2006), o art. 16 “só fez referência à renúncia. Logo, o intérprete não pode aí incluir a retratação, que é juridicamente possível até o oferecimento da denúncia. (...) Se a renúncia só pode ocorrer antes do oferecimento da representação e se o Ministério Público antes desta manifestação de vontade da vítima não pode oferecer denúncia, parece evidente que a lei não poderia ter feito qualquer menção ao recebimento da denúncia”.
No mesmo sentido, leciona Bastos (2006), [30] sobre tal circunstância:
“...é que renúncia, tecnicamente, se dá antes do exercício do direito. Deste modo, só se renuncia ao direito de representação antes de exercitá-lo. Sendo assim, como se pode imaginar uma renúncia ao direito de representação antes do recebimento da denúncia, o que pressupõe que ela tenha sido oferecida, se, para ser oferecida, é imprescindível a existência da representação, condição especial que é para a deflagração da ação penal? Está confuso? É possível piorar então: a Lei parece ter estabelecido a possibilidade de se renunciar a um direito (o de representação), cujo exercício era pressuposto para o exercício de outro (o da ação penal pública condicionada), após este efetivo exercício (o oferecimento da denúncia). Isto evidentemente não é possível. Teria a Lei estabelecido uma regra inútil – o de que a representação é renunciável até o recebimento da denúncia, para o quê, obviamente, já tinha que ter sido oferecida? Ou será que, em verdade, quando se falou em renúncia, quis se ter falado em retratação?”. (BASTOS, 2006)
Pela dicção de Cabette (2006),[31] a exegese do art. 16 da lei pode levar à conclusão que, em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde o procedimento policial até o oferecimento da denúncia, as Autoridades Policiais e o Ministério Público agiriam de ofício, prescindindo da manifestação da ofendida, mesmo em casos de ação penal pública condicionada a representação. Salienta também o autor que ainda que haja manifestação da ofendida, afirmando não pretender representar contra o suspeito, tal não produziria qualquer efeito jurídico, devendo, mesmo assim, procederem as Autoridades Policiais às apurações do caso e o Ministério Público formular sua denúncia, já que à vítima somente seria dado abrir mão da representação em momento posterior perante o Juiz em audiência específica. Seria como se o exercício do direito de representação da vítima e a condição de procedibilidade estivessem em suspenso para serem exercitados e exigidos em momento posterior. Teria se operado, por força do art. 16 da Lei 11.340/06, uma derrogação tácita dos art.s 5º., § 4º. e 24, ambos do Código de Processo Penal.
Assim, defende que o efetivo exercício do direito de representação somente ocorreria na referida audiência especial perante o Juiz, uma vez que qualquer manifestação anterior da ofendida seria inócua, tendo como única solução entender que também o prazo decadencial a que se refere o art. 38, CPP, somente passaria a correr a partir da sobredita audiência.
Cabette (2006) ainda adverte que a renúncia é instituto que está ligado somente às ações penais privadas, não sendo prevista para as ações penais públicas de qualquer espécie. Quando alguém manifesta o desejo de não representar contra algum suspeito, não se opera a "renúncia". O ofendido simplesmente deixou de exercitar seu direito de representação naquele momento, podendo exercê-lo a qualquer tempo dentro do prazo decadencial (art. 38, CPP), desde que considere oportuno.
Nem mesmo a interpretação de que o legislador teria se equivocado e, onde pretendia dizer "retratação" acabou dizendo "renúncia", seria capaz de pôr termo aos problemas. Se assim fosse o art. 16 da Lei 11.340/06 também seria inaplicável. Se a tal "renúncia" (leia-se "retratação") perante o Juiz deve ser realizada em audiência especial no intervalo entre o oferecimento e o recebimento da denúncia, resta claro que a pela acusatória já foi ofertada. Isso inviabiliza a retratação de acordo com o art. 25, CPP, que só a permite até o oferecimento da denúncia.
Comenta também que eventualmente, poder-se-ia sustentar que o legislador, embora de forma terminologicamente equivocada, teria inovado a respeito da retratação nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim sendo, teria dilatado nesses casos o tempo oportuno para a retratação, alongando-o até "antes do recebimento da denúncia".
Afirma de forma seleta que muito embora esta pareça ser a melhor exegese do dispositivo sob comento, ela entra em conflito com o espírito da Lei 11.340/06, pois cria uma formalidade estéril que antes não existia, para o seguimento de uma ação penal com denúncia já formulada, atrasando inutilmente o procedimento e configurando uma certa insistência na proposta de que a vítima abra mão de seu direito de representação já exercitado e mantido até aquela fase.
Por isso, embora a lei seja silente nesse aspecto, entende que o melhor seria se tal audiência somente fosse designada excepcionalmente em caso de requerimento da ofendida ou a fim de confirmar sua retratação espontânea e anteriormente operada no curso do Inquérito Policial.
Segundo Bastos (2006),[32] “a representação é retratável somente em juízo e até o recebimento da denúncia” e que o que levou a lei a falar em “renúncia” foi um enunciado infeliz e mal redigido dos Juizados Especiais Criminais, o qual cogitou de renúncia quando, em verdade, o que pretendia submeter ao controle do Juiz era a retratação da representação.
E sinteticamente, afirma o autor que, onde se lê "renúncia", deve-se ler "retratação" da representação, semeando na esfera penal o benefício de tal quando do recebimento da denúncia e não o seu oferecimento, ocasionalmente descrito no art. 25 do CPP.
Neste diapasão, Nogueira (2006) elabora crítica [33] no sentido de que a redação do art. 16 é imprecisa, pois a lei não trata de ações penais condicionadas à representação da ofendida, mas de infrações penais de ação penal condicionada à representação da ofendida, e sustenta:
“A situação, na verdade, é de desistência da representação já formalizada. Só podemos falar em renúncia se a representação não chegou a ser formalizada. Formalidade um tanto quanto questionável, pois se para a representação não há fórmula sacramental, tratando-se de ato que  pode ser deduzido perante a autoridade policial, Ministério Público, Magistrado e até mesmo perante o oficial de justiça, que fará certidão,  não se justifica negar validade à renúncia ou desistência feitas por pessoa capaz, de forma clara e inequívoca,  até mesmo perante o oficial de justiça, que certificará  a respeito com a fé-pública inerente às suas funções.  De igual modo, excesso de rigor negar validade à desistência ou renúncia da representação reduzidas a termo perante a autoridade policial ou membro do Ministério Público.”  (NOGUEIRA, 2006)
Porém, incita que a audiência para que se faça a renúncia ou desistência da representação não protegerá a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, pois ninguém poderá impedi-la de renunciar ao direito de representar ou desistir da representação que eventualmente já tenha formulado, pois trata-se de ato atentatório contra a dignidade da mulher esculpido no art. 3º. 

Referências
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______. Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
______. Lei 11.340/07. Vade Mecum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
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. Acesso 10 Out 2006.
 
Notas:
[1] José Frederico Marques explica que “a jurisdição não é titular do jus puniendi, mas sim o Estado-Administração, que tem para a persecutio criminis um órgão especial, que é o Ministério Público. O juiz penal não persegue – julga. O Ministério Público não julga – exerce a função persecutória”, in Tratado de Direito Penal, Campinas, 1997, p. 69.
[2] MARQUES ainda complementa que o sujeito ativo do direito de punir (jus puniendi) é sempre o Estado-Administração, e, nunca, o titular privado do bem jurídico atingido pelo crime, nem mesmo nos chamados crimes de ação privada em que se lhe transfere apenas o direito de acusar. Sujeito passivo da relação jurídico-punitiva é o autor do delito, para quem surge o dever personalíssimo de se submeter à pena que lhe for imposta por sentença. (Tratado de Direito Penal, Campinas, 1997, p. 169)
[3] Persecução criminal. Perseguição do crime. In<http://www.multcarpo.com.br/latim.htm#P>. Acesso em 10 Out 2006.
[4] DOTTI apud MOURA BITTENCOURT. Curso de direito penal, parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95.
[5] JACOB, Elias Antonio. Direito penal: parte geral. Porto Alegre: Síntese, 2001, p. 28.
[6] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal: curso completo, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 217.
[7] significa, em francês, ministério público. In<http://jus.uol.com.br/legal/juridiq.html> Acesso em: 10 Out 2006.
[8] Para com todos. O que é válido contra todos. In. Acesso em 10 Out 2006.
[9] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais - Comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: RT, 2005, p. 226.
[10] PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Anotações preliminares à Lei nº 11.340/06 e suas repercussões em face dos Juizados Especiais Criminais. 
[11] Id.
[12] Desde o início. Desde o princípio. In <http://www.multcarpo.com.br/latim.htm#A>. Acesso em 10 Out 2006
[13] PORTO, Pedro Rui da Fontoura. op. cit.
[14] Em sentido contrário. Argumento de interpretação que considera válido ou permitido o contrário do que tiver sido proibido ou limitado. In. Acesso em 10 Out 2006
[15] CUNHA, Rogério Sanches, e PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 135.
[16] PORTO, Pedro Rui da Fontoura. op. cit.
[17] GONÇALVES, Ana Paula Schwelm; LIMA, Fausto Rodrigues de. A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. Jus Navigandi, 2006.
[18] GONÇALVES, Ana Paula Schwelm; LIMA, Fausto Rodrigues de. op. cit.
[19] Palavra formada da partícula latina re (retrocesso, oposição) e de pristinus(antigo, de outro tempo, precedente. É tida na terminologia jurídica no sentido de retorno ao antigo, volta ao passado, adoção de preceito que já não se encontrava em voga. Assim, repristinatório diz propriamente respeito à eficácia de certa regra, já posta à margem, e que se revigorou direta ou indeiretamente. In SILVA, De Plácido e., op.cit., p. 1208.
[20] NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. A Lei n. 11.340/06 – Violência doméstica e familiar contra a mulher – Perplexidades à vista.
[21] GONÇALVES, Ana Paula Schwelm; LIMA, Fausto Rodrigues de. op. cit.
[22] BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit, p. 460.
[23] Contribuição de todos para realização do bem comum. In SILVA, De Plácido e.,op. cit., p. 811.
[24] JOVELI, José Luiz. Breves considerações acerca da Lei 11.340, de 08 de agosto de 2006.
[25] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. op. cit., p. 219.
[26] DIAS apud CAPEZ, A Lei Maria da Penha da Justiça, p. 54.
[27] DIAS, op. cit., p. 54.
[28] Persecução criminal. Perseguição do crime. In<http://www.multcarpo.com.br/latim.htm#P>. Acesso em 10 Out 2006.
[29] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006.
[30] BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Lei "Maria da Penha". Alguns comentários. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1189, 3 out. 2006.
[31] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, 2006.
[32] BASTOS, Marcelo Lessa. op. cit.
[33] NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. 

fonte: www.ambitojuridico.com.br