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domingo, 28 de fevereiro de 2010

Tribunais têm 10 metas para cumprir em 2010Por Fabiana SchiavonO presidente do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes, apresentou as 15 metas do Poder Judiciário para 2010 durante o 3º Encontro Nacional do Judiciário, entre as quais 10 foram escolhidas pelos presidentes de tribunais presentes. Segundo Gilmar Mendes, os temas são uma evolução das metas já conquistadas no ano passado. A Meta 2 deste ano deve acabar com os processos distribuídos até 2006 e dá o desafio aos tribunais especializados o encerramento do estoque também de 2007.

Os presidentes dos tribunais escolheram as 10 metas que devem ser cumpridas por suas unidades. A primeira meta apresentada é a de julgar todos os processos distribuídos, além da parcela de estoque definida. Segundo o ministro, a meta é considerada viável com base na experiência da primeira instância do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do país, que julgou 99% dos mais de 5 milhões de processos recebidos. No Brasil, foram julgados 86% dos processos distribuídos.

Para medir a produtividade dos profissionais da Justiça, o CNJ também incluiu entre as metas a disponibilização mensal da produtividade dos juízes no portal de cada tribunal, em especial a quantidade de julgamentos com e sem resolução. Outra meta é publicar decisões até 10 dias depois do julgamento. Segundo Gilmar Mendes, a meta foi escolhida, porque há tribunais que demoram até 10 anos para lavrar e publicar.

Por conta do alto número de execuções não cumpridas, principalmente as fiscais, uma das metas cobra a redução em 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução, e em 20 % o acervo de execuções fiscais.

Na área de gestão dos tribunais, o CNJ espera reduzir custos em 2% e colocar em prática todo o treinamento que fez com os servidores, criando uma meta para que novas rotinas sejam implantadas. A expectativa é que isso ocorra em 50 % das unidades judiciárias. Para dar continuidade ao ritmo de treinamento, o CNJ quer criar um centro de capacitação de servidores. Isso porque, durante os mutirões ficou constatado como os funcionários do Poder Judiciário, estão pouco preparados para exercer suas funções. Ele lembrou que o Programa Integrar já faz uma colaboração técnica para melhorar os serviços gerais dos tribunais, mas é necessário formar mais multiplicadores de conhecimento para manter a qualidade dos serviços.

Está nos planos do CNJ ainda promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas para 50% dos magistrados. A meta foi criada com base nos dados compilados pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que constatou a falta de conhecimento administrativo pela maioria dos juízes que atuam diretamente na gestão dos tribunais.

A votação das metas ocorreu durante a tarde desta sexta-feira (26/2). De acordo com o ministro Gilmar Mendes, as demais metas não aprovadas ficam como recomendação do CNJ.

Ano da Justiça criminal
O Conselho Nacional de Justiça decretou que 2010 é o ano da Justiça criminal. Por conta dos números polêmicos divulgados sobre superlotação em prisões, presos provisórios e mandados não cumpridos, modernizar o sistema criminal é o principal desafio do Poder Judiciário. Para isso, o órgão já aprovou o Plano de Gestão das Varas Criminais e um manual que auxiliará as unidades e implantarem as novas rotinas. Outra prioridade do CNJ é a implantação dos juizados da Fazenda Pública, cujo projeto de lei foi aprovado e deve entrar em vigor em junho.


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Veja as 10 metas aprovadas e a votacão:

1 – Julgar quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela de estoque, com acompanhamento mensal. 54 votos

2 – Julgar todos os processos de conhecimento distribuídos em primeiro, segundo e instâncias superiores até 31 de dezembro de 2006. No caso dos tribunais trabalhistas, eleitorais, militares e do júri, prazo é até 31 de dezembro de 2007. 60 votos.

3 – Reduzir em pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução, e em 20 % o acervo de execuções fiscais. 59 votos.

4 – Lavrar e publicar todos os acórdãos até 10 dias da sessão de julgamento. 66 votos.

5 – Implantar métodos de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias de primeiro grau. 53 votos

6 – Reduzir pelo menos 2% o consumo per capita (magistrados, servidores, terceirizados e estagiários) com energia, telefone, papel, agua e combustível. 52 votos

7 – Disponibilizar mensalmente a produtividade dos juízes no portal do tribunal, em especial em quantidade de julgamentos com e sem resolução de mérito e homologatórios de acordos, subdividos por competência. 67 votos.

8 – Promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas para 50% dos magistrados, priorizando-se o ensino à distância. 69 votos.

9 – Ampliar para 2 Mbps a velocidade dos links entre o tribunal e 100% das unidades judiciárias na capital e, no mínimo, 20% das unidades do interior. 57 votos

10 – Realizar, por meio eletrônico, 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do poder judiciário inclusive cartas precatórias e de ordem. 63 votos.


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Conheça as 15 metas apresentadas:

1 – Julgar quantidade igual de processos distribuídos em 2010 e parcela de estoque, com acompanhamento mensal.
2 – Julgar todos os processos até 31 de dezembro de 2006. No caso dos tribunais trabalhistas, eleitorais, militares e do júri, prazo é até 31 de dezembro de 2007.
3 – Lavrar e publicar todos os acórdãos até 10 dias da sessão de julgamento. Temos casos graves de até demora de 10 anos para a publicação.
4 – Implantar métodos de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias.
5 – Reduzir pelo menos 2% o consumo per capita (magistrados, água, luz, servidores, papel, entre outros)
6 – Ofertar os serviços judiciários em todas as localidades não abrangidas por algum motivo, conforme Recomendação 28 do CNJ.
7 – Reduzir em pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução, e em 20 % o acervo de execuções fiscais.
8 – Preencher 5% do total das vagas de mão-de-obra terceirizada com egressos do sistema prisional.
9 – Implantar um escritório de projetos na unidade de gestão estratégica com o objetivo de documentar, acompanhar e garantir os resultados.
10 – Disponibilizar mensalmente a produtividade dos juízes no portal do tribunal, em especial em quantidade de julgamentos com e sem resolução.
11 – Promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas para 50% dos magistrados.
12 – Adequar força de trabalho para que 75% dos servidores atue em sua atividade-fim. Há muitos servidores em segundo grau e poucos em primeiro grau.
13 – Ampliar a velocidade de conexão para 2 mbps em 100% das unidades judiciária.
14 – Realizar por meio eletrônico 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do poder judiciário para economia e celeridade. Inclusive cartas precatórias e de ordem. Isso porque a demora na 3expedição de cartas precatórias foi um dos principais problemas enfrentados pelos tribunais na busca do cumprimento da meta 2.
15 – Executar no mínimo 95% do orçamento até agosto do ano de 2010, excluídas despesas com pessoas


http://www.conjur.com.br/2010-fev-26/cnj-divulga-10-metas-2010-poder-judiciario

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

LEI MARIA DA PENHA PUNE TAMBÉM AS MULHERES

Lei Maria da Penha pune também as mulheres

Quatro anos após a implantação de legislação para proteger o público feminino da violência doméstica, homens também se amparam na lei a fim de evitar abusos por parte das companheiras. Desde a criação da norma, 19 delas já foram presas

Renata Mariz

Publicação: 21/02/2010 08:10 Atualização: 21/02/2010 11:22

Criada em 2006 para punir autores de agressões praticadas no ambiente doméstico contra mulheres, a Lei Maria da Penha tem sido cada vez mais utilizada para enquadrar o público que, em tese, deveria proteger. No Brasil, pelo menos 19 mulheres já foram para a cadeia por conta da legislação. Levantamento mais recente do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Justiça, registra 11 internas condenadas com base na norma em presídios femininos espalhados por Acre, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Com dados mais atualizados, o Distrito Federal confirma a passagem de oito mulheres no presídio da capital em função da Lei Maria da Penha. A aplicação da legislação contra o público feminino divide a opinião de especialistas.

Para a advogada Rúbia Abs, coordenadora da Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, até cabe acionar a Lei Maria da Penha se a violência ocorre no relacionamento entre duas mulheres. Mas ela discorda da aplicação em casos de mães que agridem os filhos, muito comuns entre as condenadas que já passaram por presídios, ou que praticaram violência contra homens. "Há outros instrumentos para serem utilizados. Acaba sendo um desvio do espírito da legislação, de sua essência e de sua justificação", destaca a advogada. Ela ressalta, porém, que essas interpretações são corriqueiras no direito. "Não sei se chega a ser um problema", minimiza.

Com base numa analogia, um juiz de Cuiabá (MT) justificou a aplicação da Lei Maria da Penha para determinar uma medida protetiva, impedindo uma ex-namorada de se aproximar do ex-namorado (veja quadro com casos). Nesse caso específico, o promotor Fausto Rodrigues Lima não vê problemas devido à inexistência de prisão ou punição. Ele acredita, no entanto, que a utilização da lei de violência doméstica foi desnecessária. "Apesar do fundamento ter sido na Lei Maria da Penha, creio que seja mais de fundo constitucional, baseado no direito à intimidade. Caberia até mesmo um pedido de medida cautelar cível para evitar perturbação da ordem", afirma o promotor.

Ele destaca que os homens vítimas de lesão corporal praticada pelas companheiras no lar podem procurar seus direitos. "O que rege a punição, para homens e mulheres, independentemente do sexo do agressor, é o Código Penal, com pena prevista de três meses a três anos. A Lei Maria da Penha apenas trouxe as medidas cautelares, ou seja, urgentes, para tirar a mulher da situação de risco, e também a obrigatoriedade do processo penal", defende.

Constitucionalidade

Para Rúbia, na medida em que homens têm sido contemplados com a Lei Maria da Penha, menos riscos corre a norma de ser declarada inconstitucional. Este ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar a constitucionalidade da lei. Para Fausto, essa questão está absolutamente pacífica entre os juristas. "Tenho confiança de que o Supremo vai confirmar a plena constitucionalidade", afirma o promotor. Segundo ele, a justificativa da ofensa à igualdade é um falso argumento. "Na verdade, nunca houve igualdade. E para reverter todo o processo cultural que coloca a mulher numa posição submissa ainda nos dias de hoje, veio a Lei Maria da Penha deixar claro que a violência doméstica é crime, e não mais um problema de âmbito familiar", defende.

Mais palpitante que a discussão no Supremo, na avaliação de Fausto, será a avaliação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da lei. Este ano, o STJ vai avaliar um pedido do Ministério Público do Distrito Federal sobre os efeitos da desistência da vítima no meio do processo. Como muitos juízes de primeira instância estão incentivando o arquivamento das ações, ao realizar audiências de conciliação, promotores da capital pediram aos ministros criminais do STJ uma palavra final. "Defendemos a investigação obrigatória no caso de lesão corporal, independentemente da vontade da mulher. Caso contrário, continuaremos devolvendo o problema às vítimas", afirma.

Fausto refuta os argumentos presentes no debate, de que é preciso preservar a autonomia da vontade. "Aí é que está a grande falha, entender a violência como uma questão privada, e não pública. Se a mulher quer se reconciliar, tudo bem, é a vida privada dela. Mas quanto ao crime, é uma questão pública, cabe ao Estado investigar e punir", reforça. A diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal, Deuselita Martins, diz que a passagem das oito internas enquadradas na Lei Maria da Penha pelo complexo foi breve e em clima de tranquilidade. %u201CO fato de responderem pela legislação de violência doméstica não causou surpresa entre as demais apenadas, somente um pouco de comoção quando o fato envolvia agressão contra filhos. Houve também casos de briga entre mulheres%u201D, explica.

OS NÚMEROS
19 - Número de mulheres já presas no país por desrespeitarem a Lei Maria da Penha

8 - Quantidade de casos registrados no Distrito Federal
Vale para todos
Conheça detalhes de dois casos em que mulheres foram enquadradas na Lei Maria da Penha.
Homem denuncia ex-namorada
Em novembro de 2008, em Cuiabá (MT), um advogado utilizou a Lei nº 11.340 para proteger seu cliente, um homem que sofria ameaças de agressão física de sua ex-companheira por meio de e-mails e mensagens de celular. O homem alegava ter prejuízos financeiros e ser vítima de danos morais por conta da acusada. O juiz Mário de Oliveira determinou medidas de proteção em favor da vítima, determinando que a mulher não mantivesse qualquer tipo de contato com o ex-namorado e conservasse a distância mínima de 500 metros do seu local de trabalho ou residência. Se não cumprisse a determinação, a acusada poderia ser presa. Na decisão proferida, o juiz enfatizou que homens não devem se envergonhar em buscar socorro no Poder Judiciário para fazer cessar as agressões da quais vêm sendo vítimas. %u201CÉ sim, ato de sensatez, já que não procura o homem/vítima se utilizar de atos também violentos como demonstração de força ou de vingança. E compete à Justiça fazer o seu papel de envidar todos os esforços em busca de uma solução de conflitos em busca de uma paz social,%u201D declarou o juiz.

Mulher ataca ex-companheira
A empregada doméstica Adriana (nome fictício), 36 anos, foi presa em julho de 2008, em Goiânia, com base na Lei Maria da Penha, ao ser acusada de atear fogo à residência de sua ex-companheira. A mulher foi presa em flagrante a poucos metros da casa, sentada em uma calçada. Separadas havia duas semanas, Adriana teria surpreendido a ex-companheira deitada na cama com outra mulher. Pelo depoimento da vítima, quando notou a presença de Adriana no quarto, viu que a doméstica estava com uma faca na mão. As duas começaram a discutir. No meio da briga, Adriana teria jogado uma televisão no chão, causando o incêndio. Tal versão foi contestada pela acusada. Segundo ela, foi a dona da casa, sua ex-namorada, que esbarrou na televisão, causando um curto-circuito. Autuada em flagrante, Adriana ficou detida na carceragem da Delegacia da Mulher, mas acabou solta após pagar fiança no valor de R$ 200.
FONTE:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/02/21/brasil,i=174867/LEI+MARIA+DA+PENHA+PUNE+TAMBEM+AS+MULHERES.shtml

JUIZ DEVE FORMATAR JURIDICAMENTE ANSEIOS SOCIAIS




Por Aline Pinheiro

Em tempos em que se discute se o juiz tem de sair às ruas para ouvir a voz do povo ou se trancar no seu gabinete e decidir com os olhos voltados exclusivamente para a lei, o ministro Ayres Britto tem uma receita de bolo que, pelo menos para ele, tem dado certo. Ele sai às ruas, ouve os anseios da população e, se for possível, os formata juridicamente. Assim, aplica a lei e, ao mesmo tempo, ressoa a vontade da sociedade.

Essa fórmula, que parece simples, mas que na prática exige do ministro horas a fio de trabalho, acompanha Ayres Britto seja no seu trabalho no Supremo Tribunal Federal seja no Tribunal Superior Eleitoral, corte da qual ele é presidente. Na Justiça Eleitoral, diz o ministro, o Judiciário é ainda mais caixa de ressonância da sociedade. O contato com a população é mais direto. A natureza da corte eleitoral também exige dos julgadores uma maior rapidez. “Trabalhamos com mandatos”, lembra ele. Processos julgados contra políticos com mandatos encerrados perdem a razão de ser.

Esse dinamismo, inerente à vida política e à Justiça Eleitoral, poderia, aparentemente, conflitar com a necessidade de segurança jurídica que o Judiciário como um todo tem. Para Ayres Britto, isso não acontece. “O conceito de segurança jurídica não é uniforme para todos os ramos do Poder Judiciário. No mundo político, principalmente, essa ideia de segurança não pode significar um fechamento para o novo”, diz. Para ele, o jogo político é tão criativo que exige constante reinterpretação das regras. Isso não é ativismo judicial, expressão odiada pelo ministro, mas parte da função hermenêutica do Direito.

O ministro Ayres Britto recebeu a revista Consultor Jurídico no gabinete da Presidência no TSE, cargo que ele deixa agora no primeiro semestre e passa para as mãos do ministro Ricardo Lewandowski. Ele contou para o Anuário da Justiça 2010 um pouco do que foi o ano na corte eleitoral e no STF. Na entrevista, ele analisa o papel do juiz e fala da necessidade de o julgador se abrir para a sociedade. O Anuário da Justiça 2010 vai ser lançado dia 10 de março, no Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Para saber mais, clique aqui.

Leia a entrevista

ConJur — Em 2009, o TSE cassou três governadores, dois deputados federais e um senador. A corte eleitoral está mais rigorosa?
Ayres Britto — Não diria que o tribunal eleitoral está mais rigoroso. É um processo de compreensão ainda maior por parte do Poder Judiciário quanto à necessidade de observância estrita dos dispositivos que buscam assegurar a regularidade e a legitimidade do processo eleitoral. A democracia exige visibilidade em tudo que diga respeito aos interesses da sociedade e suscita nas pessoas uma santa curiosidade por aquilo que diz respeito ao poder. Quando a sociedade civil chega mais próximo das decisões, inclusive judiciais, a causa ganha uma importância maior. Não que a sociedade civil oprima os julgadores, mas nós nos sentimos cada dia mais próximos da sociedade. Nada impede que os julgadores auscultem as expectativas populares para ver o que é possível formatar juridicamente. Sempre que o juiz consulta a sociedade, aguça o seu senso de realidade. Ele não é refém da sociedade, mas se puder fazer o link entre a expectativa social e a resposta jurisdicional, melhor. Nós somos caixa de ressonância do corpo social, que se abre mais e mais para a compreensão de que não basta ganhar eleição, é preciso ganhar com legitimidade, tanto a obtida pelo voto como a jurídica, que é a das leis. É preciso conciliar as duas, mas, quando há um choque, esta última se sobrepõe à primeira.

ConJur — Na Justiça Eleitoral, a interação entre sociedade e julgadores é maior que nos outros ramos da Justiça?
Ayres Britto — Tende a ser maior pelo dinamismo da Justiça Eleitoral, que é o mais célere dos ramos do Poder Judiciário brasileiro. Aqui, nós trabalhamos com mandatos, ou seja, com um tempo definido. Se a questão não for definida durante o tempo do mandato, perde sua razão de ser.

ConJur — Ao julgar, o juiz tem de levar em conta as consequencias políticas, econômicas e sociais das suas decisões?
Ayres Britto — Todo juiz é um ser humano, e não uma máquina de produzir sentença. Ele está inserido na sociedade e não dá as costas para ela. Por isso, acho impossível que um juiz não decida pensando nas consequências sociais, econômicas e políticas das suas decisões. O juiz se esforça para conciliar as expectativas sociais com a interpretação objetiva do Direito. Quando o juiz consegue formatar juridicamente os anseios sociais, sem fugir da isenção e da fundamentação técnica, ele atinge o ponto ideal de conciliação entre o Direito e a vida. Conciliar Direito e vida é a glória para qualquer juiz.

ConJur — Mas o juiz tem de falar a mesma língua que a sociedade?
Ayres Britto — Você está falando ao pé da letra? O uso do vernáculo simplificado é necessário porque a democracia no âmbito do Judiciário não se esgota na universalização do acesso às instâncias jurisdicionais. Passa pelo uso de uma linguagem simplificada, compreensível pelos jurisdicionados e pelo povo em geral. Simplicidade é dever do juiz. No sentido simbólico, é importante também o juiz abrir as janelas do Direito para o mundo circundante.

ConJur — São poucos os que preferem ficar enclausurados? O Supremo, por exemplo, tem se aberto cada vez mais à sociedade.
Ayres Britto — Eu acho boa essa abertura, mas lógico que há inconvenientes. Por exemplo, a cobertura televisiva em tempo real dos trabalhos do Supremo expõe o ministro a comentários insultuosos. Há jornalistas que deixam de fazer jornalismo para trucidar a personalidade e a imagem de um ministro. Felizmente, as vantagens compensam em muito as desvantagens. A sociedade tem o direito de saber quando, como e quanto trabalha um ministro. As pessoas precisam ver quem é assíduo, quem é participativo, quem estuda os processos. Esse acompanhar de perto é um mecanismo de controle externo indispensável. Foi discutida a necessidade de editar os julgamentos passados na TV Justiça, mas eu não concordo. Prefiro em tempo real.

ConJur — Assim como os políticos, os ministros do TSE também cumprem um mandato, ou seja, não ficam até se aposentar, como nos outros tribunais. Essa renovação constante impede que a Justiça Eleitoral consolide uma jurisprudência?
Ayres Britto — A jurisprudência na Justiça Eleitoral não tem o mesmo teor de estratificação que nos outros ramos do Judiciário. Isso se deve, em parte, à renovação da composição do tribunal, mas também ao dinamismo do processo eleitoral. Na Justiça Eleitoral, a jurisprudência se renova com mais frequência e intensidade.

ConJur — Isso é bom?
Ayres Britto — Não é ruim. A vida política é uma vida, por definição, dinâmica. É a arena mais aberta à renovação de ideias do que é melhor ou pior para a sociedade.

ConJur — Mas não conflita com a segurança jurídica?
Ayres Britto — Não. O conceito de segurança jurídica não é uniforme para todos os ramos do Poder Judiciário. No mundo político, principalmente, essa ideia de segurança não pode significar um fechamento para o novo. Nós da área jurídica somos dominados pela ideia de segurança, mas as regras do jogo envelhecem. No campo eleitoral, o Direito corre atrás dos fatos mais do que nos outros ramos do Direito. Os fatos têm duas pernas boas e o Direito, só uma perna boa. Essa defasagem é mais bem percebida na Justiça Eleitoral. Os políticos têm uma imaginação prodigiosa e isso exige que nós reinterpretemos as regras. Isso não quer dizer que a Justiça Eleitoral substituta o Poder Legislativo. O que fazemos é apenas reinterpretar e atualizar velhas regras, tudo fundamentadamente.

ConJur — Ao formatar a fidelidade partidária, o TSE foi acusado de legislar. Aí também houve apenas uma atualização de normas velhas?
Ayres Britto — Foi um processo evolutivo de compreensão do Direito e dos fatos. Todo processo é uma sucessão de atos na perspectiva de uma decisão final. É um caminhar para frente. Estamos vivendo um processo de maturidade democrática que começou com a Constituição Federal de 1988 e levou a uma nova compreensão do Direito. A nossa Constituição é eminentemente principiológica e, interpretada na perspectiva do caso concreto, se chega à seguinte conclusão: há princípios que são autoaplicáveis. Não há necessidade de lei para o princípio incidir. Foi o que fizemos no caso da fidelidade partidária. Não faz sentido o candidato eleito botar o mandato debaixo do braço como se fosse propriedade particular dele. Não há candidato avulso. É o partido que faz o registro e financia o candidato. O partido é uma ponte necessária entre o candidato e o eleitor. O mandato é do partido e do candidato. Nenhum deles pode romper unilateralmente o vínculo sem justificativa. O pluripartidarismo político, garantido no artigo 17 da Constituição, é também um dos fundamentos da República, que nada mais é do que o pluralismo partidário, garantido no artigo 1º da Magna Carta. Quando o candidato deixa o partido, ele contraria a vontade do eleitor, já que o resultado das urnas é o que traça o que é oposição e o que é situação. Essa migração partidária faz com que a urna deixe de compor os quadros ideológicos da representação política.

ConJur — Mas não há uma lei que diga isso.
Ayres Britto — Não tem uma norma legislativa, mas essa interpretação sai do sistema de comandos da Constituição. Essa é a particularidade do Direito. Às vezes, a regra jurídica está pronta e acabada. Outras vezes, só surge a partir da combinação de dispositivos.

ConJur — Cabe ao Judiciário fazer essa combinação?
Ayres Britto — Sim. Isso se chama hermenêutica, que é a interpretação científica das leis. Essa interpretação pode ser feita de um modo enfadado, ou mais arejado.

ConJur — Isso é o chamado ativismo judicial?
Ayres Britto — Não. Eu odeio essa expressão, ativismo judicial, porque ele é proibido. O juiz não pode ser ativista. Não pode ditar nem aditar lei, mas apenas interpretar de uma forma mais arejada. Isso não é invencionice. A Constituição brasileira, por ser principiológica, facilita a interpretação contemporânea das normas. O Conselho Nacional de Justiça baixou uma Resolução proibindo o nepotismo no Judiciário. Não foi preciso se basear em lei para isso. Há quatro princípios previstos na Constituição que levam a isso — moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Eu preciso de lei para aplicar esses princípios? Não. Eles servem de norma para o caso concreto. O mesmo aconteceu quando conduzimos o TSE a determinar que a foto dos candidatos a vice aparecesse no monitor da urna eletrônica. Isso atende ao princípio da visibilidade. Não preciso de lei para aplicá-lo. A isso chamamos de pós-positivismo, que diz que os princípios são supernormas. Eles têm mais importância do que as regras.

ConJur — O Brasil caminha para o sistema judiciário dos Estados Unidos, com base na jurisprudência?
Ayres Britto — O nosso modelo jurídico é o romano-germânico. Os juízes estão subordinados à lei. É o sistema francês de desconfiança dos juízes. Os juízes eram serviçais dos governantes e, por isso, quando chegou a revolução francesa, a segurança jurídica exigia que os juízes cumprissem a lei. Foi criado esse princípio de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Na revolução inglesa, os juízes eram confiáveis e, por isso, o sistema implantado foi o judicialista, no qual a sentença vale tanto quanto a lei. No Brasil, está havendo uma mesclagem desses dois sistemas. Quer um exemplo? As Súmulas Vinculantes, que são próprias do sistema judicialista, e não do legalitário.

ConJur — A Súmula Vinculante mostra certa deficiência do sistema judicial brasileiro? Toda decisão da corte suprema não deveria ser respeitada pelas outras instâncias, mesmo sem Súmula Vinculante?
Ayres Britto — A Súmula Vinculante reflete o sistema federativo do Brasil. Por conta dessa multiplicidade de tribunais e sistemas administrativos, era preciso criar um instituto jurídico que obrigasse toda essa infinitude de órgãos. A Súmula Vinculante serve para dar unicidade decisória a certas questões constitucionais.

ConJur — Prestigia a segurança jurídica, não?
Ayres Britto — Olha aí a segurança de novo. Tudo é segurança jurídica. Nós da área jurídica somos os cultores por excelência dessa deusa chamada segurança jurídica e é por isso que o Judiciário é conservador. A sociedade e a economia querem segurança e o Judiciário se dobra a esses reclamos econômicos sociais. O que os julgadores não podem fazer é tornar a segurança jurídica um dogma e, assim, crucificar toda e qualquer ideia de progresso. Nós do Poder Judiciário andamos sempre sobre um fio de navalha. De um lado, a Justiça material. De outro, a segurança jurídica. Eu sou um juiz que, sem desdenhar da segurança jurídica, não fecho os olhos para a Justiça material. Quando as duas se antagonizam, eu opto pela Justiça material, porém fundamentadamente.

ConJur — Em 2009, TSE e Legislativo se estranharam em pelo menos duas ocasiões: quando o Congresso deixou de cassar um parlamentar, mesmo com ordem do TSE, e quando a casa legislativa aprovou a chamada PEC dos Vereadores, com efeitos retroativos. Esse mal estar estremeceu as relações?
Ayres Britto — Não fissurou as relações entre Judiciário e Legislativo. A chamada PEC da Vereança, que criou 7,7 mil cargos de vereador no país, que deveriam ser ocupados por suplentes, deu origem a uma das decisões mais importantes da história do Supremo Tribunal Federal. O tribunal saiu em defesa da autenticidade do regime democrático. O que o Supremo fez foi dizer que a Constituição originária tem mais dignidade jurídica que as emendas constitucionais. Emendas não servem para eleger ninguém. Se servissem, também poderiam tirar e prorrogar mandato. Emenda não substitui a voz da urna. Foi uma decisão bonita do Supremo. Nós saímos em defesa da pureza do regime representativo democrático. Outra decisão importante do Supremo foi a que reconheceu a competência do TSE para julgar recurso contra expedição de diploma de governador, senador, deputado estadual e federal. O processo eleitoral precisa ser rápido e, se tivesse de passar pelo Tribunal Regional Eleitoral antes, quando chegasse ao TSE, os mandatos dos políticos acusados já teriam terminado.

ConJur — A chamada minirreforma eleitoral trouxe alterações substanciais que vão ser sentidas nas próximas eleições?
Ayres Britto — O grande mérito da minirreforma foi o veto do presidente da República à regulamentação da internet. Por isso, teremos eleições com o uso mais desembaraço da internet. Poderá ser usada como ferramenta de propaganda, discussão, debate eleitoral e financiamento de campanha. A desregulamentação é a característica da internet. A minirreforma, no então, me preocupa porque facilitou demais a vida dos partidos e dos candidatos e dificultou também demasiadamente o trabalho da Justiça Eleitoral, em termos de fiscalização do financiamento de campanha e prestação de contas. Nesses aspectos, as mudanças significaram um tranco na nossa jurisprudência. Um dos calcanhares de Aquiles do sistema eleitoral brasileiro é o financiamento de campanha e precisamente aí a lei é mais defeituosa.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o voto impresso, instituído pela minirreforma?
Ayres Britto — Foi um perigoso retrocesso. Desconfiamos que essa impressão poderá identificar quem votou, o que contraria o sigilo garantido na Constituição. Também retarda e encarece o processo de apuração dos votos.

ConJur — O senhor deixa a Presidência do TSE já neste semestre e quem assume é o ministro Ricardo Lewandowski. O que a sociedade pode esperar dessa mudança?
Ayres Britto — Não me cabe dar essa resposta. Todo mundo tem seu estilo. É natural que o ministro imprima uma diretriz pessoal ao trabalho dele. O que me cabe é facilitar a transição e é bom passar o bastão a um ministro tão qualificado quanto o futuro presidente.

ConJur — Como está sendo feito pra isso?
Ayres Britto — Já estou conversando com o ministro, que também está acompanhando os meus atos de gestão. Nós vamos fazer uma transição planejada para facilitar o trabalho futuro dele. A Justiça Eleitoral terá no ministro Lewandowski um comandante à altura de sua excelente tradição.

Fonte
http://www.conjur.com.br/2010-fev-21/entrevista-ayres-britto-ministro-stf-presidente-tse

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O CRIME, O CRIMINOSO E A CRIMINALIDADE.

SIDNEY CESAR SILVA GUERRA.
Pós-Graduado em Direito Civil (UNESA – R. J.).
Mestrando em Direito (UGF – R. J.).
Professor da UNIGRANRIO.


RESUMO.

O crime dá origem a uma perda material como também provoca uma sensação de insegurança por parte da sociedade, provocando o desequilíbrio das estruturas sociais. Partindo deste ponto de vista, o presente artigo tem por objetivo discutir o crime, a criminalidade e o criminoso, através das seguintes temáticas: a sociedade e o crime além de alguns fatores sociais da criminalidade. As análises permitiram chegar a conclusões para que paremos e reflitamos sobre o sistema penal, que cria e reforça as desigualdades sociais e sobre a sociedade que está vinculada a juízos de valor e esteriótipos. Desta forma, as conclusões alcançadas são no sentido de que o problema do crime e da criminalidade antes de ser um problema de Ordem Pública é, sem dúvida, um problema de Ordem Social.


I. INTRODUÇÃO.

“O homem é um ser eminentemente social”, já ensinava Aristóteles, e por viver numa sociedade em que os interesses são tão diferentes, ocorrem os entrechoques entre os conviventes.

Estes conflitos, que ocorrem a todo momento por motivos diversos, podem levar o indivíduo a tomar posições mais extremadas e desta forma, cometer um ato que é contrário às normas ( crime ) e, conseqüentemente, ao direito.

A criminalidade, está no seio de uma sociedade que, formada por um grupo de pessoas bastante heterogêneo, são influenciadas por uma série de fatores, destacando-se os atos sociais latentes ou não.

Dentro desta ótica, Clóvis Bevilaqua, a respeito da criminalidade escreveu:

“No crime, como no direito, e mais visível naquele do que neste, há um aspecto puramente biológico: são as raízes, os fundamentos, as condições primárias. Mas esse bolbo não germinaria se não encontrasse o meio social. Daí o aspecto social do Direito e do crime, o qual é consideravelmente preponderante.”

É notório que hoje discute-se por demais o crime, o criminoso e a criminalidade em nossa sociedade. Tal discussão ocorre no seio da família, nas igrejas, nas escolas, por instituições políticas, por representantes do Poder Judiciário, por organizações não-governamentais, enfim por todos.

Na verdade, a criminalidade passou a ser um tema importantíssimo dentro de nossa conjuntura social pois hoje são detectados índices alarmantes de crimes que são realizados diariamente em toda parte do mundo.

Crimes praticados em função de crenças religiosas, em função da cor da pele, em função de convicções políticas ou ideológicas, em função da desigualdade social, em função da fome, por ciúmes ( os chamados passionais ) e por várias outras razões que ocorrem no dia a dia das pessoas que vivem em determinada sociedade.

Mas quais razões podemos apontar para que ocorra o crime? Quem é efetivamente criminoso? Como se medem os índices de criminalidade?

Assim, procuramos discorrer sobre a sociedade e o crime, alguns fatores sociais de criminalidade e, ao final, traçar alguns aspectos do criminoso.


II. A SOCIEDADE E O CRIME.

Sendo o homem um animal gregário, sua vida em sociedade não implica, porém, em que não haja uma unidade de consciência social, pois esta nada mais é que a resultante das consciências individuais, que vão compor a maioria da unidade social.

Imaginar ou pensar que as pessoas que vivem em uma determinada sociedade são iguais é utópico. As pessoas possuem características próprias, bem como ideologias, crenças, formação familiar e tudo mais que existe dentro da sociedade capaz de influenciar ou interferir na formação e capacidade do próprio indivíduo.

Estas desigualdades que ocorrem dentro da sociedade, é que induzem a situações de conflitos, que podem culminar com desavenças entres as pessoas e conseqüentemente com o crime.

Sobre esta questão tão importante para nós Júlio Pires Porto- Carrero, sintetizou:

“Um estado social que dê realmente a cada um segundo sua capacidade sem detrimento do grupo, será um estado sem noção de pena e onde o crime tomará feição tão diversa que não merecerá tal nome. Reconstituída a sociedade sob novas bases, conhecida a trama sexual dos instintos, varridos os tabus milenares e arquitetado, sob os fundamentos da nova ciência, esse mundo ideal com que se sonhou Freud, o crime deixará de existir.”2


III. OS FATOS SOCIAIS, O CRIME E A CRIMINALIDADE.

Émile Durkheim apresenta uma definição clara do que é fato social:

“É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é regra geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.”3

Daí, no entendimento de Durkhein, o fato social se caracteriza por ser exterior, coercitivo e por isso acompanhado de sanções.

Entendia também que “os fenômenos sociais devem ser tratados como coisas” e que “os fatos sociais são explicados por causas sociais”.4

A doutrina entende por crime como sendo o fato típico e antijurídico. O fato típico é composto pela conduta ( ação ou omissão ), pelo resultado ( inerente à maioria dos crimes ), pela relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado (relação de causalidade ), e também pela tipicidade.

Chama-se tipo a descrição feita pela lei da conduta proibida. Se denomina tipicidade a correlação da conduta com o que foi descrito no tipo.

A antijuridicidade significa que o fato, para ser crime, além de típico, deve também ser ilícito, contrário ao Direito.

Analisando então a definição de Durkheim e correlacionando com o conceito de crime, que é concebido pela maioria dos doutrinadores, verifica-se que o objeto do estudo é exatamente o crime como fato, como expressão de uma personalidade e de um meio social, daí o posicionamento de Roberto Lira: “O crime é fato social das mais graves conseqüências jurídicas e não fato jurídico de aspectos sociais.”5

O crime é, portanto, um fenômeno social e a criminalidade depende do estado social. Tenha o delito sua origem num fator biológico, endógeno ou até mesmo mesológico, é inegável que o crime é uma manifestação de vida coletiva.

O crime é produto de dois fatores: o indivíduo (criminoso) e a sociedade. Cada um desses fatores tem sua ação própria, determinada, na sucessão da criminalidade, que assumirá os mais diversificados aspectos em função de cada um deles.
A criminalidade não pode existir fora de um estado social qualquer. Sobre a criminalidade Roberto Lira leciona: “é o conjunto dos crimes socialmente relevantes e das ações ou omissões que, embora não previstas pela lei, merecem a reprovação máxima.”6


IV. O FATO CRIMINOSO.

Os acontecimentos causais não existem por si só. Verificado um fato, que é presente, busca-se a sua origem passada e seu efeito futuro. Quando se analisa também um determinado crime, verifica-se, em última análise, as condições do meio em que ele se verificou e a personalidade de seu autor no momento da ação.

As condições ambientais abrangem as circunstâncias que permitiram o desencadeamento do próprio ato, entre elas aquelas que tornaram permissível seu cometimento, como também as que teriam funcionado como inibidoras.

Com relação a personalidade do indivíduo no momento em que comete o crime, está relacionado no aspecto de como uma pessoa vai reagir diante de um fato concreto. Essa personalidade do homem com suas vivências atuais é condicionada pelo modo de ser relativamente constante ou habitual do indivíduo, aí residindo as características dessa decantada personalidade.

Deve ser levada em consideração ainda a questão do meio social. Daí, acentua-se as influências da educação no lar e na escola, a influência de parentes e outras pessoas, a convivência comunitária, condições sócio-econômicas, além é claro de outros fatores como, o alcoolismo, o uso de drogas, etc. Tais circunstâncias estão diretamente ligadas ao meio de desenvolvimento do indivíduo.

O crime assim, é produto de um determinismo ou de um indeterminismo biológico e que o livre arbítrio é ilusório. Desta ou daquela maneira, é incontestável que o crime emana, primordialmente, de fatores sociais e, como tal, adquire a imagem de uma fenomelogia individual e coletiva.



V. O MUNDO NATURAL, O MUNDO CULTURAL E O CRIME.

“Mundo natural é o mundo da natureza, do que existe por si só, ao
qual o homem está incorporado. O homem é, assim, um ser, ao
lado de outros seres. Distingue-se dos demais por ser dotado de
inteligência, qualidade que lhe permitiu criar o seu próprio
mundo - o Mundo Cultural, que é o mundo da produção de
bens.”7

De fato, o homem está incorporado à natureza e o que difere dos outros seres é exatamente o fato de ser racional. Diante desta diferença, o homem criou um mundo todo especial para que pudesse viver de uma forma melhor em sociedade.

Não se questionam as evoluções e conquistas que foram alcançadas ao longo de sua existência nos vários campos das ciências. Entretanto, o homem, dentro de seu mundo, desenvolveu uma determinada faculdade que o acompanha desde o início dos tempos, que foi o crime.

Sim, o crime é uma faculdade que, não obstante as evoluções alcançadas pelo homem ao longo da história em várias áreas, ainda não logrou êxito. O crime é inerente as sociedades humanas e o mais curioso é que quanto mais desenvolvida a sociedade, menos tranqüilidade se oferece a seus membros.

Daí a opinião bem abalizada de Newton Fernandes e Valter Fernandes sobre esta questão:

“É real que a violência e o crime, ocasionados pela fermentação de fatores sociais, aumentam dia a dia nos grandes centros urbanos, onde mais se fazem sentir e prosperar de miséria, as toxicomanias, a prostituição, a malvivência em geral. E principalmente dessa população mal preparada para a vida comunitária, subaculturada, desnutrida e malvivente, é que surgem os desajustados, os marginais, os delinqüentes, seja por causas biológicas, mas, principalmente, por fatores sociológicos. Esse quadro também ocorre em grandes metrópoles do mundo como Nova Iorque e São Paulo, por exemplo.”8

Verifica-se assim, que apesar de o homem ter criado um mundo próprio, ocorrem desigualdades sociais de toda ordem e, por isso, alguns crimes ocorram com uma freqüência maior.

Na sociedade que vivemos, ou , o nosso Mundo Cultural, como alguns autores preferem chamar, ocorrem tantas desigualdades sociais que é comum observarmos pessoas que desperdiçam comida em demasia, enquanto outros não tem o que comer; pessoas que possuem muito dinheiro e confortáveis residências, enquanto outras não tem onde morar; pessoas que se sobrepõem à outras em função do poder do dinheiro; pessoas que se prevalecem de suas condições sócio-políticas e econômicas para angariarem novos interesses; enfim, pessoas que, despojadas da sorte, não encontraram alguém que pudesse dar-lhe a mão e, conseqüentemente, se tornar a escória da sociedade que não possui outra forma de vida a não ser o crime.

Esta é a realidade da maioria das sociedades atuais, heterogênea, com diferenças sociais incríveis e sem amor ao próximo. Acolhendo o magistério de Newton e Valter Fernandes, verifica-se ainda que:

“As sociedades atuais são cruéis, desumanas, materialistas e promíscuas, para prosperar na vida o mais poderoso faz de trampolim o mais fraco e o melhor trabalho é aquele que, a par de exigir menos esforços, confere lucro maior. Acresça-se a isto o fato de que a classe política, vaidosa e inconseqüente, procura o bem próprio em detrimento do bem comum. Paralelamente, os meios de comunicação, ao invés de propiciarem o bom entretenimento, a cultura, a informação honesta e verdadeira, são, pelo contrário, veiculadores dos maus exemplos, do comportamento violento, da conduta viciosa, com reflexos daninhos para a formação moral de avantajado número de espectadores, ouvintes ou leitores, notadamente de crianças e adolescentes. Esse tipo de sociedade, inquestionavelmente de estrutura patogênica, contribui em muito para que os registros de atos anti-sociais aumentem sobremodo. Apesar disto, não pode entender o criminoso tão-somente como uma vítima da sociedade, que estar-se-ia negando-lhe condições de optar por outra conduta.”9

Hermes Lima, com relação ao mundo cultural, dizia:

“é o homem quem elabora os sistemas sociais e isto lhe é dado fazer porque é dotado de inteligência e de consciência. O homem é consciência e vontade.”10

O homem assim, não pode ser considerado apenas como vítima da sociedade, pois apesar das pressões sociais desfavoráveis sofridas pelo homem, o homem possui uma consciência e vontade próprias. De sorte, que o meio ambiente pode influenciar o indivíduo na pratica de um delito mas, o homem possui mecanismos de proteção e resistência a estas pressões externas.


VI. FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE.

Neste ponto, verificar-se-á que o crime está relacionado a determinadas condições da vida social do homem.

Assim, sem querer esgotar todos os fatores sociais que podem ter uma correlação com a prática de um fato delituoso, enumeramos alguns que parecem estar bastante ligados ao tema proposto, a saber: sistema econômico, pobreza, fome, desemprego, educação, casa e rua.


VII. SISTEMA ECONÔMICO.

A criminalidade é um dos fenômenos mais comuns da influência malsã da situação econômica, via de regra decorrendo: de contendas suscitadas pela arbitrária política salarial; do fechamento de grandes indústrias em momentos de crise; da não expansão da atividade comercial: do desemprego e da dificuldade de colação; do baixo poder aquisitivo popular que é arrostado pela inflação e pela especulação; do egoísmo da própria economia onde os que acumulam mais riquezas contribuem cada vez mais para o empobrecimento da grande maioria.11

Como resultado muitos partem para o crime, e a situação às vezes se multiplica de tal forma que a criminalidade toma um caráter patológico-social.

Daí, verifica-se que a criminalidade não deixa de ser uma resposta ou forma de contestação à desenfreada exploração econômica, à impunidade da corrupção, à manipulação dos preços, às desigualdades e injustiças sociais existentes.


VIII. POBREZA.

Quando um menino pobre, vindo de uma comunidade carente tenta uma colocação no mercado de trabalho esbarra em várias questões, e uma delas é a pobreza.

A começar pelo nível de escolaridade, a apresentação pessoal, a linguagem, o comportamento. Quando superadas todas estas fases e finalmente consegue o trabalho desejado, percebe que poderia estar recebendo muito mais dinheiro como “fogueteiro” ou “avião” de algum traficante local.

Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime. Por quê tenho que andar de ônibus se posso andar de BMW? Por quê andar com roupas surradas, se posso comprar roupas de marcas famosas? Por quê alguns possui dinheiro e a grande maioria não possui? Estas são algumas indagações que são feitas por aqueles que pensam em enveredar pela “carreira” do crime. As causas emanam, principalmente, da má distribuição de riquezas e do conluio do poder público com o poder econômico permitindo que este caminhe pararelamente com aquele, como seu subgerente na condução dos destinos do país.


IX. FOME.

A fome também é um dos fatores sociais que contribui para a criminalidade. Imagine uma conjuntura sócio-econômica em que ocorrem tantas desigualdades, e observa-se de um lado pessoas morando em luxuosos apartamentos de frente para o mar, por exemplo, e outras em baixo de um viaduto sem ter nem o que comer.

Esta questão está ligada até ao fato de preservação da própria espécie. Quando observamos os animais em uma grande selva, os mais fortes matam os mais fracos para sobreviverem pois, assim, poderão se alimentar daquela presa; tal fato ocorre por exemplo quando um leão mata uma zebra ou um cervo. É a lei da selva. Na “selva urbana”, o homem sente também esta necessidade, que como descrito acima, está relacionado à questões de sobrevivência. Assim, a lição de Jorge Severiano Ribeiro: “a fome influi sobre a criminalidade, não só quando sofre o agente, como pessoas a ele intimamente ligadas: mulher, filhos, pais, etc.”12


X. EDUCAÇÃO.

“A criminalidade por hábito adquirido é o resultado da má educação e dos maus exemplos.” 13

Partindo então deste ponto de vista de J. Maxwell, verifica-se que quando se fala em educação, de forma implícita, se fala em educação formal e educação informal. Daí, a importância de um bom aprendizado e uma boa formação nas escolas mas, esta não tem responsabilidade exclusiva, devendo também ser observada a educação em casa, no clube, na igreja, enfim, a responsabilidade é de todos e não apenas estatal. Quando se fala em maus exemplos, relaciona ao fato da educação informal, onde o indivíduo absorve grande parte de seu conhecimento de forma negativa, seja em casa ou no meio social em que vive.

Assim, Jorge Severiano Ribeiro, falando sobre escola e crime, acentua: “a educação como força inibidora do crime, parece ser coisa evidente.” 14


XI. RUA.

A rua é também um fator de criminalidade pois, na rua, o indivíduo tem a oportunidade de aprender muitas coisas, e em quase que sua totalidade, coisas que não prestam. Assim, em função das condições oferecidas pela rua ao indivíduo que é renegado pela própria família, pela escola e, de um modo geral, pela sociedade, este indivíduo que é e está carente de tantas coisas, acaba enveredando pelo caminho mais fácil que é o crime. Newton e Valter Fernandes sobre esta questão lecionam:

“A rua, com toda a espécie de maus exemplos que pode oferecer, inclui-se
no crime. Não só os logradouros públicos, como também os baixos e vãos
de pontes e viadutos, num viver promíscuo levado ao ápice só pode trazer
como resultado tudo o que não é bom, não só para os que assim vivem,
como também para a sociedade.

A rua é a própria matriz a forjar vários modelos de associais. Dela resultam vadios, contraventores, meninas precocemente prostituídas, toxicômanos, rufiões, alcoólatras, ladrões, e tudo o que de pior possa existir.”15


XII. CASA.


Quando se fala casa, imagina-se a expressão de forma mais ampla, ou seja, no aspecto de lar, de aconchego familiar e não apenas como imóvel ou local de moradia.

Quando se tem uma família bem estruturada, um lar constituído de forma satisfatória, a probabilidade de haver um desvio de conduta por parte de um indivíduo que viva nesse lar é bastante reduzida.

Entretanto, o problema pode vir ou estar dentro de casa daí a lição de Sighele:

“ O lar nem sempre oferece o remansoso aconchego de delícias;
completamente ao contrário, muitas vezes ele é o paradigma da infância,
o cadinho da impudicícia e o exemplo da maldade humana.” 16

Um lar, em que apresentam condições desfavoráveis de moradia pode influenciar também o indivíduo para o desvio de conduta e, conseqüentemente, para o cometimento de crime. Assim, Newton e Valter Fernandes lecionam:

“ Nos países subdesenvolvidos, onde proliferam as favelas, os cortiços, as
taperas, as casas de cômodos, com a natural promiscuidade disso
decorrente, em que os valores morais desaparecem, onde o número de
analfabetos ou subaculturados é muito grande, induvidosamente
propiciam, nas camadas sociais que assim vivem, a existência de um
contingente muito grande de prostitutas, viciados e traficantes de drogas,
ladrões assaltantes, homicidas, etc. E não se diga que o meio, nesses
casos, não é fator preponderante de criminalidade, embora se possa
reconhecer a coexistência de outros fatores decorrentes até do
comprometimento da própria saúde, por estados desnutricionais, pelo
alcoolismo e por outros estados patológicos oriundos da falta de higiene,
e outras condições de saneamento básico.

Lares inseridos nessas condições, não há que contestar, são verdadeira
forja de marginais.”17


XIII. O DESEMPREGO E SUBEMPREGO.

Na sociedade em que vivemos, o dinheiro é um elemento indispensável para a sobrevivência de uma pessoa nesta. Sem dúvida, já se passou a época em que o homem por si só era responsável por sua subsistência ou realizava o escambo para suprir suas necessidades.

Assim, para se ganhar dinheiro, somente trabalhando ou, numa análise mais contundente, roubando. Daí, a relação entre o emprego e o crime. Na medida em que uma pessoa necessita de um emprego para ganhar dinheiro e, conseqüentemente, viver e não consegue, ele vai praticar atos delituosos para obtenção da coisa que precisa.

Na mesma linha de raciocínio, o subemprego, que através do baixo salário auferido, por si insuficiente à manutenção própria ou da família, não deixa de ser, por suas características marcantes de instabilidade pessoal e socioeconômica, um fator a mais à influenciar a curva ascendente da delituosidade.


XIV. CONCLUSÃO.

O aumento da criminalidade parece inquietar a maioria da população, que costuma considerar esse fenômeno como um dos problemas sociais mais graves e prioritários.

A preocupação das pessoas perante o crime pode situar-se em níveis diferentes da realidade social. De um modo geral, os conhecimentos que a sociedade têm sobre a delinqüência e o delinqüente está estreitamente vinculada a juízos de valor e esteriótipos.

Neste ponto, alguns questionamentos devem ser feitos para que possamos refletir sobre estes assuntos. Partimos então para os seguintes: O que é o crime e o criminoso? Como estabelecer os níveis de criminalidade?

Apesar dos vários conceitos de crime e criminoso que a doutrina nos ensina, gostaria de ousar e colocar um posicionamento que, embora não muito freqüente, alguns estudiosos no assunto também o corroboram.16

O crime é a conduta humana que, segundo as leis penais, corresponde a um fato típico e antijurídico, ou de forma sucinta, é o comportamento contrário à norma jurídica ou ainda, na opinião bem abalizada de Francesco Antolisei “ é aquele comportamento humano, que a juízo do legislador, contrasta com os fins do Estado e exige, como sanção, uma pena.”17

Até aí nenhuma novidade e comungamos com a doutrina majoritária. A questão que nos desperta maior interesse é exatamente em relação ao criminoso e à criminalidade.

Quem é o criminoso, perguntamos, e a resposta parece ser óbvia: é quem pratica o crime. Sim, mas e aquelas pessoas que praticam crimes e o fato não é levado ao conhecimento das autoridades competentes e, conseqüentemente, não sofrem nenhum tipo de sanção e o crime não entra para a estatística? Estas pessoas são criminosas? Verifica-se então que a questão é mais séria do que pensamos pois o criminoso não é aquela pessoa que apenas comete o crime, mas, aquela que é conhecida pelo sistema criminal.

Trazemos, então, um exemplo para tentar explicar este posicionamento. Vejamos: Uma pessoa mata uma outra pessoa sem que ninguém tenha visto e, posteriormente some com o cadáver. Houve crime, perguntamos, lógico que sim, mas ele é um criminoso, perante a ele sim, mas perante a sociedade não, pois ninguém soube da existência do crime.

Dentro desta ótica, percebemos que existe certa disparidade entre o número de crimes efetivamente praticados e o número de criminosos realmente qualificados como tal.

Daí, ainda uma pergunta que me parece importante: será que nós nunca cometemos nenhuma ação criminosa ou nunca desobedecemos aos preceitos penais? Vejamos alguns dispositivos previstos no código penal e que estão no cotidiano das “pessoas de bem”: cometer adultério; receber cheque sem fundos como garantia de dívida; dar uma “gorjeta” a um policial muito gentil que resolveu “quebrar” uma multa de trânsito; dar um “presente” àquele escrivão ou escrevente para agilizar um processo; comprar um relógio ou aparelho eletrônico vindo de Miami ou do Paraguai, sem nota fiscal; dirigir sem habilitação; etc. Certamente ainda poderíamos encontrar vários outros dispositivos, que de certo, nunca foram infringidos por essas “pessoas de bem”, não é mesmo?

Então o criminoso somente é aquele que mata, assalta, tortura, estupra? É aquele que é pobre, analfabeto, vindo da favela, de cor negra? E estas “bobagens”, “coisas sem importância” que foram colocadas mais acima? E os crimes praticados por autoridades públicas e pessoas ricas que desviam, como por exemplo, títulos públicos ( precatórios ) e sonegam milhões em Imposto de Renda?

Verifica-se assim, de forma bastante clara e até contundente, a exclusão social sofrida por grande parte da sociedade. Exclusão social que Rosana Heringer e Isabel Carvalho, em pesquisa feita pelo IBASE, conceituaram como:

“a maneira pela qual convivem uma pequena parcela da população que tem
acesso à renda, consumo, serviços e bens culturais, e uma grande maioria
que encontra-se privada destes bens materiais e simbólicos. São excluídos
socialmente aqueles que, impedidos estruturalmente de ter acesso a estes
bens, constróem uma identidade individual e coletiva baseada nesta
impossibilidade de acesso, e em relação aos quais é geralmente construída
uma imagem negativa e preconceituosa associada a determinados
atributos sociais, raciais e culturais.”18

Vivemos em um clima de insegurança e violência, muitos dizem. Mas, como escalonar esta violência e transformá-la para estes altos níveis de criminalidade? Sabemos que do momento da infração até o reconhecimento do infrator há uma perda: grande quantidade de infrações ficará no que os criminólogos chamam de cifra negra, e as estatísticas são bastante falhas. Apenas como ilustração, “uma pesquisa realizada numa empresa de Friburg na Alemanha, mostrou que de 800 fatos acontecidos dentro daquela empresa e que poderiam ter sido criminalizados, somente um o foi.”19

Então, estes índices são considerados altos quando ocorrem assaltos, estupros, homicídios, e crimes praticados por policiais, a exemplo dos últimos acontecimentos nas Polícias de São Paulo e Rio de Janeiro ( Diadema e Cidade de Deus ), que tomaram amplitude mundial. Aí, são apresentados vários modelos para a prevenção dos delitos; as autoridades se pronunciam, declarando que medidas enérgicas serão tomadas; criminosos são apresentados, através da imprensa à sociedade, etc.

Desta forma, por tudo que foi exposto, verifica-se que existe uma manipulação por parte das classes dominantes com relação à criminalidade e com relação ao criminoso, daí, o juízo de valor e estereótipo.

Na verdade, existe um grande interesse em que a grande massa seja mais e mais manipulada e tenham sempre a idéia equivocada sobre o assunto, para que os verdadeiros criminosos continuem impunes, livres, andando em seus carros importados, morando em suas mansões de luxo e ainda, o que é pior, gozando de grande prestígio popular e muitas vezes, em funções públicas importantes. Daí, a idéia de que o sistema penal visivelmente cria e reforça as desigualdades sociais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale. Milão: Giuffré, 1994.

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi di. Dos delitos e das penas. Trad. Flórido
de Angelis. São Paulo: Edipro, 1993.

FERNANDES, Newton & FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. São
Paulo: RT, 1995.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 9a ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1985.

HERINGER, Rosana & CARVALHO, Isabel. As várias faces da exclusão.
Democracia. Rio de Janeiro, n. 105, p. 18-21, agosto/setembro 1994.

HULSMAN, Louk & CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas perdidas. O sistema
penal em questão. Trad. Maria Lúcia Karan. Rio de janeiro: 1993.

LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral. 5a ed. São Paulo: Atlas, 1986.

LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 26a ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1980.

LIRA, Roberto. Direito penal científico e criminologia. Rio de Janeiro: José
Konfino, 1974.

LUIZ, Valter Corrêa. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense,
1992.

THOMPSON, Augusto. Justiça penal e classes sociais. Ciência Hoje. Rio de
Janeiro, v. 5, n. 28, p. 26-27, jan./fev.1987. Edição Especial.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

DICAS PARA SE CONSEGUIR UMA COMUNICAÇÃO EFICAZ

Silvania Mendonça Almeida

O QUE É COMUNICAR ?


• Ser informativo na medida certa (objetividade, concisão , economia verbal)
• Persuadir – convencer, conquistar a atenção do receptor
• Tornar o pensamento comum para o receptor
• Conseguir transmitir mensagens eficazes
• Produzir uma resposta no receptor
• Interação – troca de informações
• Escolher o veículo de comunicação adequado ao contexto
• Adaptar sua linguagem ao repertório do receptor



CARACTERÍSTICAS DO MODERNO TEXTO EMPRESARIAL


• concisão
• objetividade
• clareza
• coerência
• coesão
• correção gramatical
• linguagem simples e formal
• persuasão
• informatividade







• Com quem você vai comunicar-se? Quem é? Que tipo de pessoa ela é? Qual o repertório deste receptor?
• O que você quer dizer? A mensagem está clara em sua própria mente? Você ainda tem pormenores para verificar?
• Como você está transmitindo as informações? Sua abordagem está correta? Você está usando as palavras adequadas às circunstâncias?
• Como você se certifica de que conseguiu convencer o receptor? Que informações você quer para a confirmação?
• Prestar atenção às palavras escritas e faladas de outras pessoas. Usar, portanto, o vocabulário das pessoas com quem você quer comunicar-se.

ROTEIRO PARA PESQUISA

1 ESCOLHA DO TEMA
 Assunto significativo e adequado ao interesse, ao nível de formação e às condições do pesquisador. Deve ser relevante para a área.

2 DELIMITAÇÃO DO TEMA
 Selecionar um tópico para ser estudado e analisado em profundidade, tornando o assunto viável de ser pesquisado.
 Evitar temas amplos que resultem em trabalhos superficiais.

3 JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA
 Mostrar a relevância teórico-prática do assunto escolhido e sua importância em face a outros temas.

4 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
 Pesquisa bibliográfica – resumo de assunto sobre a questão delimitada.
 Estudo preliminar e sintético que trará informações sobre a situação atual do problema, sobre os trabalhos já realizados e sobre opiniões existentes.

5 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
 Redigir, de forma interrogativa, clara, precisa e objetiva a questão cuja solução viável possa ser alcançada pela pesquisa.
 A elaboração clara do problema é fruto da revisão da literatura e da reflexão pessoal.

6 AMOSTRAGEM
 A pesquisa procura estabelecer generalizações a partir de observações em grupos ou conjuntos de indivíduos chamados “população” ou “universo”.



 Faz-se com uma parte representativa da população denominada “amostra”, e não com a totalidade dos indivíduos.
 Amostragem é a coleta de dados de uma parte da população, selecionada segundo critérios que garantam a representatividade.

7 INSTRUMENTOS
 Na pesquisa descritiva, utilizam-se meios para coletar os dados, como a entrevista, o questionário e o formulário.
 Na pesquisa experimental, coletam-se os dados de instrumentos ou observações, por meio de um protocolo.

8 ANÁLISE DOS DADOS
 Coletados os dados e expostos em tabelas de forma sintética, podem ser submetidos ou não, conforme o caso, ao tratamento estatístico.
 Todas as informações reunidas nos passos anteriores são comparadas entre si e analisadas.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 Apresentar um resumo dos resultados mais significativos da pesquisa.
 Indicar aspectos que merecem mais estudo e aprofundamento.

10 REFERÊNCIAS
 São referências que serviram de embasamento teórico e que serão apresentadas segundo as normas da ABNT. Listar apenas as referências realmente utilizadas no trabalho.

11 APÊNDICES
 São constituídos de elementos complementares, como questionários e outras fichas de observação e registro utilizadas no trabalho, que auxiliam a análise do leitor da pesquisa.


Profa. Silvânia Mendonça Almeida Margarida

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

INTERPRETAÇÃO E DIREITO NATURAL

Análise do Tratado de Direito Natural de Tomás Antonio Gonzaga
KEILA GRINBERG(1)
Resumo
Em fins do século XVIII, ao formar-se bacharel em Direito em Coimbra, Tomás Antonio Gonzaga escreveu o Tratado de Direito Natural, com a pretensão de escrever o primeiro livro em português sobre as disposições então recentes do direito natural, conjugando-as aos princípios teológicos cristãos de ordenação da sociedade. Baseando-se em suas formulações originais sobre o conceito de direito natural, o objetivo deste artigo é discutir as concepções de Gonzaga, comparando-as com as de Grotius e Pufendorf, considerados os fundadores da "moderna escola de direito natural", com as de Heineccius, aquele que filtrou as idéias destes teóricos com um viés teológico, e as de Antonio Ribeiro dos Santos, seu contemporâneo em Portugal. Ao final, são feitas algumas considerações sobre as concepções de direito natural observadas a partir do governo de Pombal, relacionando-as às possibilidades existentes de interpretação, por parte dos magistrados, da legislação então em vigor.
PALAVRAS CHAVE:
Introdução
Quando o Tratado de Direito Natural, de Tomás Antonio Gonzaga, caiu-me nas mãos, fui acometida de uma dupla esperança: primeiro, a de que estivesse diante de um dos livros lidos por magistrados formados em Coimbra em fins do século XVIII; em segundo, a de que pudesse, através desta leitura, obter um claro panorama acerca dos princípios de direito natural vigentes neste período em Portugal.
O interesse pelos magistrados e pelo direito natural justifica-se na medida que venho desenvolvendo um estudo acerca da prática destes magistrados na primeira metade do século XIX, na Corte de Apelação do Rio de Janeiro. Partindo do pressuposto de que as posições por eles adotadas e a argumentação jurídica por eles desenvolvida pode ser relacionada às idéias e aos livros com que tiveram contato no tempo de sua formação, em Coimbra(2), considerei pertinente buscar obras contemporâneas a este tempo que versassem sobre correntes jurídicas então adotadas.
À primeira vista, este era o caso do Tratado de Direito Natural. Certamente havia sido escrito no último quarto do século XVIII, por um bacharel egresso da universidade em questão. Mas minhas esperanças foram em vão. O Tratado permaneceu inédito até a década de 40 deste século(3), não podendo, portanto, ter sido lido por aqueles magistrados.
À verificação do limite das questões iniciais, restaram-me duas possibilidades: paralisar o trabalho ou propor novas questões. Resolvi seguir esta opção, baseando a formulação em pressupostos distintos: já que seria impossível relacionar o Tratado à prática jurídica luso-brasileira de então, quem sabe se a obra de Tomás Antonio Gonzaga não poderia justamente indicar a existência de uma ampla gama de interpretações sobre o assunto?
Apresentação da obra
O Tratado de Direito Natural foi escrito como tese a um concurso para professor da Faculdade de Leis de Coimbra, provavelmente na cadeira de Direito Natural. Não se sabe exatamente o ano em que foi escrito. Antonio Teixeira supõe que o texto seja datado de 1772, pois Tomás Antonio Gonzaga formou-se em 1768 e a cadeira de Direito Natural só foi instituída naquele ano(4).
É pela dedicatória que se pode circunscrever estes dados com mais base: o livro é oferecido ao "Marquês de Pombal, do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima e seu Ministro de Estado, (...)"(5). Ele foi escrito, portanto, entre 1769, ano que Sebastião José de Carvalho e Melo recebeu o referido título, e 1777, data da 'Viradeira', fim do governo do dito Marquês. Aqui, o que menos importa é o ano exato em que a obra foi escrita. O mais importante é situar a época, a pombalina, e enfatizar o fato de Gonzaga tê-la dedicado ao Ministro de Estado, responsável pelas reformas fundamentais por que passou Portugal na segunda metade do século XVIII.
De fato, vários autores ressaltam a importância, para o acesso ao cargo, de o pretendente ajustar-se as opções políticas então em vigor. Lapa, não sem certa ironia, faz referência a esta questão:
O jovem opositor fazia nele a política do poderoso Ministro, punha o poder real acima do eclesiástico, defendia o cesarismo, a tirania ilustrada. Dá-se porém a 'Viradeira', em 1777. Gonzaga celebrou então em verso o advento de D. Maria I, renunciou aos seus projetos de lente coimbrão e fez o que todos faziam em seu lugar: habilitou-se para a carreira da magistratura. Em 1779 devia estar já em Beja servindo como juiz-de-fora.(6)
Será que Tomás Antonio Gonzaga acreditava nas idéias que expressava no texto, ou apenas as utilizava como recurso para consecução do cargo? A pergunta não é pertinente. Como nada escreveu sobre isto depois, é impossível comparar suas idéias e construir uma hipótese - ainda que vaga - sobre sua sinceridade. O fato é que o autor não inventou o tema nem os conceitos utilizados. Ao escrever um tratado de direito natural, ele pretendia seguir idéias em voga na Europa inteira, em Portugal em particular, que fundamentavam práticas políticas. Para comparar suas idéias com estas, passemos ao conteúdo da obra.
O objetivo principal de Tomás Antonio Gonzaga é escrever o primeiro livro em português sobre as disposições então recentes do direito natural. Mas ele não pretendeu apenas fazer uma compilação das doutrinas da época; quis corrigi-las, na parte que julgava terem afastado-se dos princípios religiosos católicos. É partindo de um princípio teológico (daí a argumentação começar com o parágrafo "Da existência de Deus") que ele começa a construir o seu próprio conceito de direito natural, dialogando com Grotius, Pufendorf, Thomasius, Heineccius, entre outros formuladores e comentadores da chamada moderna teoria do direito natural.
Segundo Gonzaga, Deus criou o homem para dotá-lo de suas perfeições e para receber dele o culto devido. Assim, deu-lhe inteligência, para que ele pudesse viver em felicidade e cumprir o fim ao qual estava destinado. A razão, porém, não bastava (talvez fosse o que menos bastasse) para que o homem alcançasse esta vida; o fundamental eram as leis infundidas por Deus no coração do homem, às quais ele teria liberdade para seguir ou não. O recurso para conhecê-las era o amor, não a razão. A estas leis, Gonzaga chamou de Direito Natural.
Mas havia um problema neste princípio: as leis naturais não tinham como intimidar o homem com castigos reais: era apenas no plano da moral que ele podia sofrer alguma pressão para seguí-las. Por isso, para que não existisse a possibilidade de os homens viverem apenas seguindo "seus apetites torpes e suas depravadas paixões", Deus teria aprovado a criação das sociedades humanas. Daí que, ainda que todos fossem por natureza iguais, esta mesma natureza teria obrigado Deus a infundir diferenças entre os homens: uns seriam governantes, outros governados. Os governantes teriam o direito e o papel de fazer, desta vez através de castigos efetivos, cumprir os preceitos estipulados por Deus. Às leis derivadas deste direito, Gonzaga chamou de Direito Civil.
O direito natural, nestes termos, não podia mais ser interpretado de acordo com um anterior estado de liberdade; ele devia ser cumprido no presente estágio da sujeição civil. Isto não significava que o direito civil pudesse, em qualquer circunstância, ser superior ao natural; o direito natural é que, dadas as características da humanidade, acabou circunscrito à esfera de atuação do civil.
Estes princípios compõem a base da argumentação do Tratado de Direito Natural. A partir deles, Gonzaga começa a expor suas idéias acerca da hierarquia social, do fundamento e divisões do poder na sociedade, da importância da lei e do direito como fatores de organização social. Por outro lado, mas ainda de acordo com estes pressupostos, ele envereda por discussões sobre o caráter das ações humanas, o livre-arbítrio, a consciência. O direito natural, e portanto Deus, é o que organiza as relações sociais e fornece um fundamento para as ações humanas. Tanto o governante quanto o povo, dentro de suas atribuições, devem orientar-se por ele. Daí a importância de sua obra, daí a necessidade de discutir com aqueles que divulgam idéias consideradas incorretas. Manter o funcionamento da sociedade baseado em Deus e no poder divino do monarca; este era o propósito, neste livro, do futuro inconfidente Tomás Antonio Gonzaga.
Conceitos
Gonzaga dedica boa parte de sua obra a discorrer sobre as características individuais da natureza humana. Só depois, baseando-se na idéia de um pacto inicial, ele passa a analisar os fundamentos da sociedade civil. Como, para ele, todos os homens são iguais perante a divindade, são as ações, baseadas na faculdade do livre-arbítrio, que permitem que haja diferenças entre as pessoas; umas boas, outras más.
Assim sendo, as regras do direito natural de nada adiantariam se o homem não tivesse a faculdade de escolher se queria obedecê-las. Gonzaga considera que a liberdade dada por Deus para que se possa merecer o prêmio ou o castigo é tão importante quanto o reconhecimento de existência deste. Sem liberdade, não haveria moral, muito menos possibilidade de agir conforme alguma noção de bem.
Para poder exercer esta faculdade, o homem foi dotado de consciência, ou o raciocínio acerca da moralidade das ações. É ela quem dirige as ações voluntárias. Gonzaga considera que as ações movidas pela consciência podem ser boas, se conformes à lei natural, ou más, se contrárias a ela. Como são feitas com "deliberação da alma", são morais, livres, e podem ser julgadas. Apesar de nem todas as ações más poderem ser imputadas a seu autor, porque ele pode ter agido sem conhecer as possíveis consequências de seu ato, a ignorância é considerada uma "inimiga do entendimento": é obrigação do homem vencê-la, para que possa obrar bem. Assim como esta, muitas são as obrigações do homem: elas provém da conveniência ou do medo, mas também fazem com que o homem acabe guiando-se pela moral.
Afinal de contas, o homem age moralmente de acordo com sua consciência ou por medo? Este ponto parece controverso, já que Gonzaga crê tanto no medo e na fragilidade como fatores de união das sociedades quanto em um natural apetite para a sociabilidade. Assim, ele congrega obrigação e vontade quando passa a tratar de indivíduos vivendo em conjunto, ou de temas como sociedade civil, pacto social e poder: a sociedade foi formada por um pacto definitivo e insolúvel, a partir do qual as resoluções devem ser obedecidas, (a obrigação de obedecer a lei vem da superioridade de quem manda, não do consentimento do súdito); ao mesmo tempo, é a congregação de cidadãos que decide, através de decretos, a constituição do governo e a eleição das pessoas que exercerão o poder.
Adiante, este autor volta a ressaltar que a sociedade civil é necessária para que os homens gozem de uma vida segura, tranqüila e feliz. Neste ponto, Gonzaga volta a deixar bem claro que os homens em estado de natureza seriam todos iguais; mas como, neste caso, a convivência seria impossível, pois estariam todos sujeitos ao domínio das paixões, Deus teria instituído a sociedade civil. Daí vem a inferência de que todo poder que um homem exerce sobre outro provém apenas de Deus; é ele quem legitima o poder e o mandato do governante, já que o povo, embora tenha o direito de escolher seu soberano (de preferência adotando a monarquia como forma de governo), não tem o poder de destituí-lo, mesmo se considerar que ele passou a ser um tirano.
Assim, a finalidade da sociedade civil é obrigar todos os homens a respeitarem a lei natural, mas também possibilitar que vivam de acordo com o seu desejo: como eles desejam tudo o que contribui para sua felicidade, e como não se pode viver feliz fora da sociedade, esta é uma necessidade humana. Neste ponto, vontade de Deus e necessidade dos homens confundem-se:
Posto que não seja mandada por Direito Natural (a lei civil), de forma que digamos que o quebram os que vivem sem ela à maneira dos brutos, é contudo sumamente útil e necessária, para se guardarem não só os preceitos naturais que dizem respeito à paz e felicidade temporal, mas também para se cumprirem as obrigações que temos para com Deus, porque nem a religião pode estar sem uma sociedade cristã, nem esta sociedade cristã sem uma concórdia entre os homens, nem esta concórdia se poderá conseguir sem ser por meio de uma sociedade civil.(7)
A última parte do Tratado tem como tema a preocupação com a colocação em prática dos fundamentos antes expostos. Aqui, Gonzaga desenvolve os conceitos de direito e justiça, e parte para uma teorização acerca do sentido pragmático que devam ter a lei, o costume e o privilégio na interpretação das normas; todos, em conjunto, devem ser orientados para o respeito à vontade do legislador, tendo como fim o bem dos povos.
Gonzaga considera que o termo direito tem vários significados: "faculdade natural" para agir ou não, autoridade para agir (ou obrigar outros a fazê-lo), sentença do juiz, etc. No entanto, o que é realmente importante é sua constituição como uma coleção de leis homogêneas, provindas em primeiro lugar do direito natural, em seguida do poder civil. A partir daí, ele passa a classificar os dois campos do direito de acordo com suas atribuições, ressaltando mais uma vez que a diferença entre o direito natural e o civil é que este é arbitrário, e o primeiro não; desta forma, as leis naturais estão sempre de acordo com a justiça, enquanto que nem sempre as civis estarão de acordo com ela, já que podem ser feitas por legisladores tiranos.
A justiça seria, então, a "virtude que dá a cada um o que é seu". Esta virtude seria composta por qualidades como "viver honesto, não ofender a outro"(8). O homem que não ofende a outro e dá a cada um o que lhe pertence é aquele que, por exemplo, se obriga a ressarcir um dano causado a alguém. O que vive honesto é aquele que ajuda um pobre; ele faz algo que ninguém o obriga, mas que considera ser justo.
A definição que Gonzaga dá à lei está adequada à realização destas noções de direito e justiça; é uma regra dos atos morais, prescrita pelo superior aos súditos. Dividida em preceptiva (manda ou proíbe alguma ação) e permissiva (concede alguma ação); divina ou civil, ela tem como requisitos básicos ser honesta, possível, perpétua (só quem concedeu algo pode retirar), escrita pelo governante, promulgada com palavras claras e próprias, e concebida com o objetivo de regular as ações do futuro. Neste esquema, Gonzaga considera que o costume (a frequência de atos externos feitos pela maioria da sociedade) não tem força de lei, mas pode ser considerado quando for útil à sociedade e aprovado pelo soberano. No caso, um costume com sanção do Estado pode revogar uma lei ou até instituir uma nova.
Apesar de ter como princípio o fato de Deus ter criado a todos iguais, Gonzaga considera correto que o monarca conceda privilégios, ou seja, estabeleça direitos especiais, para alguns, contra ou além da lei. Ele justifica isto definindo o privilégio como uma lei privada que, como as outras, só pode ser revogada pelo soberano, ainda que todas as leis gerais percam a validade. O privilégio é sempre concedido a uma categoria de pessoas, que pode ser definido de acordo com seu lugar na sociedade (membros da nobreza ou do clero, por exemplo) ou por uma circunstância ocasional (habitantes de uma região).
A princípio, admitir sociedades com privilegiados contradiz a premissa da igualdade. Mas se Gonzaga justifica a possível desigualdade na necessidade de instituir governantes e governados, isto não poderia ser estendido à compreensão do privilégio como uma necessidade terrena de instituir diferenças?(9)
O funcionamento perfeito do direito e da justiça esbarra em um problema: quem aplica as leis não é o soberano, mas os juízes; da mesma forma, são estes e os advogados que a interpretam, conferindo a elas significados muitas vezes não desejados pelo legislador. Gonzaga dá bastante atenção a esta questão. Para circunscrever a esfera de atuação dos magistrados, ele os define como pessoas públicas, representantes do rei, que por isso lhe devem obediência. Desta forma, os magistrados sempre devem usar a lei de acordo com a vontade do soberano. Uma boa interpretação, portanto, deve ser feita de acordo com seu sentido original, com o objetivo de sua utilização, com o costume adotado pelo povo (para melhor aceitação da decisão judicial). Mas se este uso propiciar situações absurdas, inúteis ou injustas, ele não deve ser feito.
Nestes casos, a interpretação pode ser também usual, se baseada no costume, ou virtual, quando é feita por sábios mas não segue a lei. Além disso, ela pode ser extensiva, quando atribue à lei um sentido mais amplo do que o original, restritiva, quando este sentido é mais restrito, ou declaratória, quando tem por objetivo explicitar as propriedades e a inteligência da lei. Apesar de estes não serem usos ideais da lei, Gonzaga admite que eles devem ser adotados sempre que não houver leis que forneçam soluções para as ocorrências.
As primeiras considerações acerca das possibilidades de análise do Tratado de Direito Natural foram feitas após a leitura e esta esquematização. Elas certamente foram influenciadas pela leitura do livro Tomás Antonio Gonzaga e o direito natural, de Lourival Gomes Machado. Este autor analisa o Tratado como um "índice do caráter e da efetividade dos valores culturais dominantes ao tempo que foi escrito"(10), e como uma oportunidade de estudar a relatividade dos dogmas pombalinos, o grau de aceitação destes e a correspondência real entre seus princípios e aqueles consagrados pelos grupos sociais. Chamando a atenção para a possibilidade de existência de valores diversos e sistemas antagônicos em uma mesma obra, Machado questiona-se sobre as possíveis relações entre o esquema de Gonzaga, a doutrina européia de direito natural do século XVIII e o contexto político-jurídico português da segunda metade deste século.
Foi a partir daí que foram formuladas as seguintes perguntas: as noções de direito natural de Tomás Antonio Gonzaga estão de acordo com a visão do Estado português sobre o assunto? Como este autor interpreta as formulações de outros autores, notadamente os formuladores do chamado direito natural moderno? Estas interpretações são compartilhadas por seus contemporâneos, ou seja, fazem parte de um senso comum ou de um programa universitário, ou são específicas do autor?
Para responder a elas, foi necessário, como Machado, confrontar as idéias de Tomás Antonio Gonzaga com a doutrina do direito natural e com as especificidades políticas e jurídicas de Portugal de então.
Citações e Contextos
Para conceituar as idéias expressas no Tratado de Direito Natural, Tomás Antonio Gonzaga fez uso de estudos de vários pensadores e estudiosos do direito natural; geralmente, seus conceitos são citações de algum deles, escolhidos após exposição acerca dos possíveis significados do termo e de explanação sobre a conveniência daquela adoção. Convém discorrer um pouco sobre os representantes da chamada escola moderna do direito natural para efetuar as relações entre a obra de Gonzaga e as teorias formuladas por estes.
Em primeiro lugar, é importante dizer que não existe propriamente uma escola do direito natural; o movimento que é assim chamado inicia-se nos Países Baixos e na Alemanha, no século XVII, e tem como fundadores Hugo Grotius e Samuel Pufendorf. Mais propriamente denominado concepção moderna do direito natural(11), ele caracteriza-se por referir-se à natureza do homem e da sociedade como bases para a noção de justiça. Rejeitando a subordinação a princípios externos à vida social, como o direito divino, os teóricos desta corrente buscavam princípios evidentes e axiomáticos para o estudo e crítica da natureza humana. Grotius e Pufendorf, portanto, são considerados inauguradores de uma nova forma de pensar o direito natural por duas razões: buscaram fundamentar a natureza humana e os direitos daí decorrentes em bases seculares, e estavam preocupados, em especial o segundo, em dar um impulso à reflexão sistemática sobre o direito. A partir daí, popularizado nos trabalhos de seus seguidores e utilizado nas formulações sobre os direitos do homem no século XVIII, a concepção moderna de direito natural institucionalizou-se como disciplina e transformou-se em cátedra em várias universidades da Europa.
Antes de Hugo Grotius(12), o direito natural podia ser dividido genericamente em duas correntes: uma considerava que a ordem natural era gravada por Deus na natureza e dela fluía por via da razão natural; a outra acreditava na ordem natural como aquilo que fôra por Deus ordenado e o que fôra organizado pelo homem a partir dali. Ambos partem da idéia de que os direitos inalienáveis do homem provém de essência religiosa. Grotius é considerado o ponto inicial da laicização; cristão, mas também imbuído de cultura humanista, ele considera a própria lei natural como um fundamento jurídico superior, e por isso universal.
Neste ponto, sua questão é: o fundamento jurídico universal modifica-se ao longo do tempo ou não? Grotius volta-se para o estudo da natureza humana e chega à conclusão de que este fundamento jurídico é uma forma histórica, e que a fonte da lei é a sociedade. Assim, o conceito de justiça deve ser definido de acordo com a capacidade humana de exercício da sociabilidade. Daí vem a afirmação de que "o direito natural existiria ainda que Deus não existisse"(13).
Ao estabelecer esta noção, Grotius reporta-se não só à religião, mas também à política. É contra o Estado-Leviatã de Hobbes que ele enfatiza a necessidade de definição da esfera do jurídico em face do Estado. Apenas independente da religião e do poder é que o direito poderia permanecer fiel à formulação ideal de justiça que o sustenta.
Samuel de Pufendorf(14) é considerado continuador de Grotius, mas também autor de obra original sobre o direito natural. Embora seus escritos não sejam limitados aos tratados de direito, é sobretudo neste campo que ele se torna conhecido. Assim como Grotius, ele considera a possibilidade da relação entre o direito e a aritmética: os princípios de direito natural são de evidência perfeita, como axiomas da matemática; por isso, é fundamental estabelecer princípios para a dedução do direito natural. Ao afirmar que estes princípios podem ser retirados tanto da experiência empírica quanto da tradição consagrada, Pufendorf contribui para aprofundar o movimento de secularização do direito.
O objetivo principal de Pufendorf era descobrir os fundamentos do direito. Para ele, no universo múltiplo do direito, havia um princípio único, a lei natural de Deus. Porque divina, esta lei seria imutável, enquanto as outras leis, advindas das organizações jurídicas humanas, variariam de acordo com as condições espaço-temporais.
Para Pufendorf, a lei natural que se impõe ao gênero humano é uma lei de obrigação, que só pode ser imputada a seres morais, dotados de razão. Assim, só o homem pode ser sujeito de direito; o imperativo da lei natural é, portanto, que a obrigação seja mantida pelos homens. Esta obrigação pode ser traduzida na observância do princípio de sociabilidade (da forma conceituada por Grotius) como máxima essencial do mundo humano. Ou seja: todas os sistemas humanos de direito e as obrigações daí decorrentes devem estar assentes na idéia de que o homem é um ser social.
Da obrigação da sociabilidade, Pufendorf distingue duas ordens de princípios, os absolutos e os hipotéticos: os primeiros obrigam a todos os homens enquanto membros do gênero humano, independente de suas vontades: são originários de Deus; os segundos dependem das determinações humanas, instituídos, por exemplo, pelos governos de cada nação. Embora dependentes da vontade do homem, estas obrigações são tão importantes quanto as outras; elas serviriam para formar leis que disciplinem a sociedade.
Heineccius(15) é conhecido no campo do direito natural por ser organizador e também refutador de certos aspectos da obra de Grotius. Ele considera o direito natural como
o conjunto das leis que Deus promulgou ao gênero humano por meio da reta razão. Se se quer considerá-lo como ciência, a jurisprudência natural será a maneira prática de conhecer a vontade do legislador supremo, tal como se expressa pela reta razão.(16)
Este autor acredita, portanto, que a lei é expressão da vontade de Deus, e neste ponto afasta-se das premissas básicas de Grotius e Pufendorf. A lei é uma necessidade social, ditada pela consciência humana, mas esta consciência, a razão, é determinada pelos desígnios divinos. Ela não faz mais do que permitir o conhecimento das leis de Deus.
A grande questão de Heineccius a partir daí, e nisto ele pode ser situado na corrente inaugurada pelos dois teóricos, é a de harmonizar esta norma suprema com a liberdade do homem, a ordem natural com a conduta individual. Neste sentido, considera importante delimitar o poder temporal e o poder eclesiástico, fundando também a sociedade na vontade divina. Aliás, seria justamente a sociedade perfeita o que provaria a existência de Deus.
Apesar de citar outros autores, Tomás Antonio Gonzaga recorre basicamente a estes três para reforçar suas idéias. Ao usá-los, mostra que está em dia com os estudos contemporâneos sobre o direito natural, escolhendo as mais recentes e conhecidas fontes dentre as permitidas pela censura oficial. No entanto, nem todas as suas conclusões foram retiradas da obra destes autores. Vejamos.
Grotius é considerado por Gonzaga a maior influência em seu livro. Ele concorda com o primeiro nas definições das estruturas de direito e justiça, como por exemplo as classificações do direito positivo e as divisões da justiça; o conceito de lei como "uma regra dos atos morais que obriga ao que é justo"(17) também é baseado neste autor. Suas discordâncias situam-se em outro plano.
Tomás Antonio Gonzaga dá bastante importância à argumentação que tenta refutar a afirmação de Grotius de que existiria direito natural ainda que Deus não existisse. Para ele, isto suporia a existência de outro ente - formulador do direito- que não Deus. Na verdade, o que Gonzaga não admite conceber é a existência de um direito natural secularizado. Basta isso para que cheguemos à conclusão de que o pensamento dos dois, em princípio, são opostos. Grotius considera a sociabilidade o ponto sensível de sua teoria; Gonzaga parte da evidência divina, não preocupando-se em traçar o elo natural que determina a condição humana, mas em ressaltar os traços morais impressos por Deus no homem. Sua sociabilidade aparece então como consequência da vontade divina; tem origem, natureza e finalidade extra-humanas. Além disso, no que se refere à concepção do Estado, Gonzaga discorda de Grotius quando este defende que o rei deve prestar contas ao povo; para ele, o povo apenas constitui o governante, e esta constituição é permanente. É quanto aos próprios fundamentos da teoria do direito natural, portanto, que Gonzaga discorda de Grotius. Quanto a Pufendorf, Gonzaga concorda na definição de sociedade civil como
pessoa moral composta, cuja vontade implícita e unida por pactos de muitos se tem pela vontade de todos, para que possa usar das forças de cada um e das suas faculdades para o fim de uma paz e segurança comum(18),
e também parte do medo como causa eficiente para formação das cidades. Sua principal discordância diz respeito à divisão dos princípios do direito natural em absolutos e hipotéticos. Para Gonzaga, não existem princípios hipotéticos. Apesar de não criticar Pufendorf da mesma forma que faz com Grotius, Gonzaga evidentemente não compartilha das idéias seculares deste autor.
Na verdade, o autor mais citado do texto é Heineccius. Gonzaga compartilha suas idéias sobre as características do homem e de Deus, o conceito de liberdade ("é uma faculdade para fazermos tudo o que nos for conveniente e não para fazermos o que nos for nocivo"(19) ), de livre-arbítrio, de ação, de obrigação e de interpretação; concorda também com a consideração do amor como o princípio único do direito natural, da paz, sossego, justiça e defesa como finalidades da sociedade civil, e da não-obrigatoriedade de prestação de contas do rei ao povo. Gonzaga, assim, em nada discorda das proposições de Heineccius. Muito pelo contrário: ressalta as críticas deste autor a Grotius, principalmente na afirmação de que a lei depende da existência do legislador, que este só pode ser Deus, e que sem Deus não há direito natural.
A opção de Tomás Antonio Gonzaga, portanto, é pela versão teológica do direito natural moderno. Suas citações mostram como ele efetivamente não adota as soluções de Grotius e Pufendorf ao problema fundamental do direito natural, e filia-se expressamente a Heineccius.
Para Lourival Gomes Machado, a preferência por Heineccius não significa que este fosse tão diferente dos outros; ao contrário, haveria mais pontos em comum do que discrepâncias. Gonzaga teria usado Heineccius apenas como pretexto para corrigir a maneira de pensar de Grotius. Acontece que Heineccius é considerado um autor menor na tradição jusnaturalista; é aí que Machado é duro com Gonzaga: ele acha que este cita Grotius e Pufendorf apenas naquilo que é de seu interesse, como argumento de autoridade ou para dar uma capa moderna e sedutora a um estudo que estaria melhor classificado como tomista.
A conclusão, a que se chega é que, se o direito natural assume em toda a Europa nos séculos XVII e XVIII uma função renovadora e revolucionária, em Portugal de fins do século XVIII ele é utilizado por Tomás Antonio Gonzaga como elemento de conservação do poder real.
Assumindo, assim, as proposições gerais de Machado (menos na parte do interesse maquiavélico de Gonzaga nas citações de Pufendorf e Grotius; é melhor supor que ele realmente considera importante o diálogo com estes autores, ainda que seja para refutar seus pontos-chave; afinal, se estes eram os autores do direito natural mais lidos do momento e se Gonzaga achava que eles divulgavam idéias erradas sobre princípios considerados tão fundamentais, por que não tentar rebatê-las?), é fundamental uma ida ao contexto político-jurídico no qual Gonzaga escreve sua obra. Sem isso, fica impossível circunscrever mais sua doutrina. A contextualização deve, portanto, abarcar tanto a forma como as idéias modernas sobre o direito natural aportaram em Portugal quanto as transformações jurídicas ocorridas neste país na segunda metade do século XVIII.
A introdução do direito natural e as reformas jurídicas realizadas em Portugal neste período têm uma questão comum: a consideração sobre a necessidade de se reformar as fontes de direito em uso no país, para que fossem adotadas fontes verdadeiramente nacionais, e não romano-canônicas, como vinha sido feito até então. Esta problemática pode ser remontada ao século XV, quando foi feita a primeira compilação, as Ordenações Afonsinas, para sistematizar fontes nacionais e estabelecer o campo de aplicação do direito romano-canônico. Este ponto era de particular importância porque, até então, era o rei que, como árbitro, assumia o papel de criar o direito, decidindo entre o costume e as tradições canônica e romana.
Nas Ordenações Afonsinas foi decidida a adoção do Código de Justiniano, na interpretação dada por Acúrsio. O problema desta resolução foi que ela mal podia ser colocada em prática em Lisboa (quanto mais no resto do Reino!), já que só havia uma cópia do texto. Isto só foi solucionado na compilação seguinte, as Ordenações Manuelinas, contemporânea ao advento da imprensa, feita com o objetivo de assegurar a aplicação das leis a todo o país. Esta e as Ordenações Filipinas, do início do século XVII, em quase nada mudaram a primeira sistematização, incorporando apenas as leis posteriores.
A primeira compilação, portanto, ainda era a referência básica para juristas e juízes dos séculos seguintes no que se refere à adoção das fontes de direito e ao estabelecimento de direito subsidiário: em primeiro lugar, deveria ser usado o direito local; em segundo, os direitos romano e canônico; depois, Acúrsio e Bártolo; por último, o rei decidiria com o recurso ao costume. Na prática, porém, o que acontecia era uma inversão dos critérios: a primazia era do direito romano, e o nacional acabava sendo o subsidiário.
No século XVIII, nada disso estava de acordo com as pretensões políticas do Estado português, nem com as discussões jurídicas travadas no momento em toda a Europa. Afinal, a questão do reinado de D. José, tendo à frente o Marquês de Pombal, era fortalecer o Estado nacional, através do poder absoluto, da centralização administrativa, da preocupação com a educação laica, e da expulsão dos jesuítas, tidos como "inimigos da independência nacional, contra a coroa, contra a fé e contra a verdadeira cultura"(20).
A disputa com os jesuítas englobava várias frentes, entre elas o estabelecimento da censura e fiscalização oficiais de publicações nacionais e estrangeiras, as reformas educacionais, as jurídicas, etc. A importância destas está na substituição do direito romano pelo direito nacional: a utilização dos Index romanos passaram a ser vistos como um atentado à inteligência portuguesa. Como base de sustentação para a legislação nacional, o direito natural.
O jusnaturalismo era nesta retórica fundamental porque justificava a ligação da cultura e da história portuguesas com a cultura e história gerais da Europa, interrompida apenas pelo interregno jesuítico; além disso, o direito natural era utilizado pelo pombalismo como uma oportunidade de se defender a ilustração, o princípio monárquico e os problemas filosófico-jurídicos propriamente ditos.
O interessante é que as concepções de direito natural apresentadas na "Dedução Cronológica e Analítica", obra coletiva tomada como representação do pensamento oficial do pombalismo contra os jesuítas, são extremamente seletivas: não se fala, por exemplo, em origem popular do poder dos reis nem em princípios secularizados. O resultado disto é a tentativa de articulação entre a ortodoxia religiosa e os resultados do desenvolvimento científico dos últimos séculos. O direito natural, no caso, aparece como fundamento da existência divina e do esforço de Deus na organização da comunidade dos homens.
A "Dedução Cronológica e Analítica" e também o "Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra"(21) deixavam clara a necessidade, para o governo, de reformar o ensino jurídico e o quadro das fontes de direito. Até meados do século XVIII, o ensino universitário era dominado pelo método bartolista, no qual o direito romano era o modelo e o seu ensino tornava quase exclusiva a adoção de seus preceitos. Além disso, havia, por um lado, excesso de legislação avulsa, o que aumentava as possibilidades de interpretações díspares, e por outro uma carência de respostas legais a situações concretas.
Era necessária, portanto, uma reforma, não só do ensino, mas de toda a estrutura jurídica. Agora, era preciso limitar as fontes utilizadas por juízes, na tentativa de eliminar a doutrina e limitar a interpretação, e condicionar a vigência do direito romano à sua conformidade com a boa razão, tornada lei em 17 de agosto de 1769(22). Por trás das reformas, dois problemas: como eliminar as controvérsias na interpretação das fontes de direito? Como determinar os princípios do direito natural com os quais o direito romano deveria se conformar?
A primeira solução dada para a questão da interpretação foi a eliminação completa da doutrina; o juiz não poderia interpretar, apenas ler a lei em seu sentido literal; se por acaso a interpretação literal fosse contra a eqüidade, o rei determinaria o uso. Esta utilização da lei, porém, nunca deveria criar uma jurisprudência: a cada caso semelhante, novo apelo ao soberano deveria ser feito. Esta tentativa não deu certo, já que era inviável recorrer ao governante a cada dúvida; a limitação maior, na prática, acabou sendo a da confecção de leis. Agora, apenas a Casa de Suplicação de Lisboa - e não mais os Tribunais da Relação do Porto, de Goa, da Bahia e do Rio de Janeiro - poderia proferir Assentos passíveis de utilização por outras cortes. A questão da interpretação acabou reduzida ao esforço de uniformização das sentenças.
Sobre o direito romano, era preciso, antes de tudo, saber os trechos que teriam sido ditados por Deus - parte do direito natural - e aqueles impostos por condições particulares e históricas da vida dos romanos. Estes deveriam ser extirpadas, mas os primeiros poderiam ser mantidos. Ainda restava o problema da utilização destas regras de direito. O critério foi o uso moderno das leis romanas em outros países, notadamente, na Alemanha. O Usus Modernus Pandectarum(23), ou a tendência que defende a aplicação do direito romano apenas naquilo que está adaptado à boa razão, restringiu o direito romano ao caráter de direito subsidiário.
Estas duas questões foram objeto de intensa polêmica na época. A reforma no ensino, porém, acabou decidindo pela criação da cadeira de direito natural, justificada pela necessidade de se fornecer aos estudantes uma
idéia bem clara da natureza do homem, do seu estado moral, da sua liberdade, da imputação das suas ações, do bem e do mal, da suma e verdadeira felicidade para que Deus o criou.(24)
Os novos estatutos da universidade também estabeleciam o modo como o curso deveria ser organizado: história das leis e jurisprudência natural; interpretação do direito natural por estóicos, romanos, padres, escolásticos, Grotius e Pufendorf; direito público universal, direito das gentes, noções gerais de ética, e recomendavam a confecção de um compêndio para ser usado como manual dos estudantes. Como este manual só foi feito em 1843, o jeito foi adotar livros estrangeiros com o devido crivo da censura oficial. A obra Elementos de Filosofia Moral, de Heineccius, não por acaso traduzida para o português em 1785, foi, muito provavelmente, a mais manuseada em Coimbra nesta época.
Podemos chegar ao final do século XVIII com uma idéia mais clara acerca do contexto que influenciou as tomadas de posição de Tomás Antônio Gonzaga. Se isto não explica suas íntimas convicções, ao menos ajuda a perceber que ele não está fora de lugar nem de época. Seu conceito de direito natural no que se refere, por exemplo, aos princípios divinos e ao poder dos reis está de acordo com os preceitos firmados nos Estatutos da Universidade, nos quais o direito natural aparece como justificativa do despotismo.
Aqui também podemos explicar a adoção de Heineccius como referência teórica principal da obra. Toda a orientação do direito natural em Portugal se dá via catolicismo, ou ainda, por concepção teológica de natureza. Se Tomás Antonio Gonzaga realmente acredita que esta é a melhor forma de ler as doutrinas do direito natural ou se quer apenas agradar os detentores do poder, não importa. O relevante, no caso, é ressaltar a discrepância entre os primeiros textos da reforma universitária, a "Dedução Cronológica e Analítica" e o "Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra", e a corrente de direito natural iniciada por Grotius e Pufendorf.
Estar de acordo, porém, com a proposta pedagógica pombalina não significa que Gonzaga endossasse, em tudo, as concepções impostas por este governo. A subordinação de todo o mundo a uma ordem divina e a definição do amor como fundamento para se conhecer as leis naturais dificilmente seriam pontos defensáveis pelos arautos de um governo que pretendia modernizar o país. Mas, mesmo sendo importante, isto não impedia a adequação de Gonzaga às idéias pombalinas, ainda mais porque o princípio divino em hora alguma é contraposto ao esquema absolutista.
Esta conclusão abre uma brecha para a formulação de outras perguntas: o esquema pedagógico colocado em prática a partir do governo Pombal fez com que houvesse uma homogeneidade de pensamento entre os magistrados? Ou melhor: todos tinham a mesma noção que ele sobre o direito natural, o poder dos reis, a interpretação judicial? Para desenvolver estas questões, é necessário proceder a algumas comparações.
Comparações
Uma primeira possibilidade é comparar o pensamento de Tomás Antonio Gonzaga com o de um contemporâneo seu, Antonio Ribeiro dos Santos(25). Santos formou-se como bacharel no curso de Cânones em 1768, alguns anos antes de Gonzaga. Em 1778, foi convidado, junto com Pascoal José de Melo Freire, para integrar o corpo da Academia das Ciências. Foi a partir dali que ele passou a contribuir para a reforma dos estudos de Coimbra, com a participação na elaboração do texto do Compêndio Histórico. Mais tarde, envolveu-se em polêmica com Melo Freire, encarregado da confecção do Novo Código de Direito Público (a reforma do livro II das Ordenações Filipinas), sobre o conteúdo deste corpo de leis. Através desta discussão, podemos retornar às questões de Gonzaga.
Ribeiro dos Santos concebe a religião natural como corretivo da imperfeição humana; por isso, a ordem natural seria o fundamento para manutenção da ordem social. Ele segue a tradição de Grotius e Pufendorf no que se refere à conveniência de uma lei adequada à natureza do homem. Quanto à fundamentação do poder, se atém a princípios teológicos, interpretando o direito natural moderno à luz de Heineccius. Até o momento, portanto, as convicções de Gonzaga em pouco diferem-se das de Ribeiro dos Santos.
Quanto à polêmica com Melo Freire, Santos estava preocupado com a participação das classes sociais no quadro das Ordens; ou seja, ele pensava nas possibilidades de invocação das Cortes, tentando articular o pombalismo com a crescente expressão política de determinados grupos sociais. Assim, discordava de Melo Freire, que condenava veementemente a convocação das cortes. Além disso, Ribeiro dos Santos chama a atenção para a importância do poder legislativo, não indo contra o direito de soberania de fazer leis, mas apurando a necessidade de modificação de certas regras e condições de acordo com as circunstâncias. Aqui, ele novamente discordava de Melo Freire, que havia defendido no projeto a exclusividade do imperante nestas questões.
Há ainda outros pontos: Ribeiro dos Santos defendia a delimitação do privilégio, a inconveniência de o rei ser legislador e juiz, a necessidade de uma estrutura constitucional, a simplificação da legislação, o fim da utilização do direito romano, etc. Várias destas questões, além de serem contrárias às defendidas por Melo Freire, são também distintas das de Tomás Antonio Gonzaga. Este, por exemplo, define o privilégio como algo atribuído exclusivamente pelo soberano, concedendo-o ou retirando-o da forma como bem entender. Qualquer outra instituição que limitasse o poder executivo também seria criticada por Gonzaga, como a convocação das Cortes.
Ribeiro dos Santos parte, no entanto, dos mesmos fundamentos jusnaturalistas para construir suas visões sobre a política, a sociedade. Mas chega a conclusões diferentes, e nem por isso deixa de ser um funcionário a serviço do governo e da implementação das idéias introduzidas com o governo de Pombal. O exemplo de Melo Freire e Antonio Ribeiro dos Santos, por si só, já seria suficiente para se concluir que nem todos tinham as mesmas idéias sobre o poder dos reis, o papel do poder legislativo, etc. Sendo assim, pode-se admitir a existência de concepções antagônicas convivendo e disputando-se no interior da doutrina oficial.
Exatamente por isso, o papel da interpretação na prática jurídica foi cuidadosamente discutido neste período. Para os arquitetos da reforma pombalina, era fundamental delimitar ao máximo o corpo de leis que servia como base para tomada de decisões, e também estabelecer em que consistia a atividade de interpretação, já que "aquilo que os juristas entendem ser o direito vigente, objeto do seu trabalho construtivo, está longe de coincidir com aquilo que o poder político autoritariamente lhes definira como tal"(26). A solução para este impasse seria mudar o corpo doutrinário dos juristas, adotando o usus modernus pandectarum, e amarrando as resoluções dos juízes à subordinação aos Assentos da Casa de Suplicação.
Ainda no contexto da implementação das reformas jurídicas, este método sofreu suas críticas. Ribeiro dos Santos não concordava com tamanho alcance dos Assentos, nem com a importância dada à Casa da Suplicação na formulação da interpretação ideal da lei. Concordando com Melo Freire neste aspecto, acreditava que a atividade de interpretação era parte da lei, e que portanto só aquele que tinha o poder de determinar a lei - o governante - podia interpretar. Este procedimento, no seu entender, levava a uma maior segurança dos súditos, porque seria impossível prever se a leitura dos magistrados seria conforme à do legislador(27).
A questão básica desta discussão refere-se à possibilidade de prever se a interpretação da lei sempre será feita de acordo com os ideais então fixados. Ou melhor: o objetivo é o de garantir, para o futuro, a manutenção dos pressupostos jurídicos firmados com o pombalismo. Havia discordâncias quanto à maneira de se fazer isto, como vimos. Mas há outro problema que perpassa este: era possível, segundo os textos contemporâneos, unificar completamente a interpretação das leis? Há um trecho dos Estatutos que diz respeito ao assunto:
§4.: Não haverá sistema algum filosófico a que ele (professor) inteiramente subscreve na exploração e demonstração das leis naturais, antes pelo contrário, a filosofia que ele deverá seguir será propriamente a eclética. §5: Não haverá autor que sirva de texto, excepção de Grócio e Pufendorf (...). Sim respeitará o professor a sua autoridade, como dos primeiros mestres desta disciplina, mas nem ela fixará o seu ascenso, nem porá grilhões aos seu discurso. §6: Como cidadão livre do império da razão, procurará o professor a verdade, a ordem, a dedução, o método e a demonstração, onde quer que a achar. §7: O código da humanidade será somente o autêntico dos preceitos que a natureza escreveu nos corações dos homens, será unicamente o que nesta jurisprudência tenha força e autoridade de lei.(28)
A interpolação básica que se poderia propor a este raciocínio é que uma coisa são as aulas dadas pelo professor; outra é a validade das interpretações feitas pelos magistrados. O que quero argumentar, no entanto, é que se a forma como o ensino foi ministrado foi, a princípio, relativamente livre, foi possível que se construíssem diferentes visões acerca do direito natural e até mesmo das possibilidades de interpretação em diferentes casos. O que os professores e seus alunos, futuros magistrados, entenderam por "boa razão" também pode ter variado. Apesar da determinação em circunscrever as posições, o próprio texto dos Estatutos servia como base para elaboração de posições diversas.
Aqui talvez tenhamos chegado à chave para o entendimento de algumas das posições de Tomás Antonio Gonzaga. Podemos chegar à conclusão que, embora defendendo opiniões diversas das oficiais, isto não significa que fosse, neste momento, contrário ao regime; ao contrário, havia espaço, deixado pelos próprios textos pombalinos, para este tipo de posição: a igualdade de posições passa ao largo da formação dos magistrados portugueses da segunda metade do século XVIII.
Conclusão
Um dos pressupostos iniciais da leitura de Tratado de Direito Natural de Tomás Antonio Gonzaga foi a presunção da possibilidade de alcançar o conceito de direito natural estabelecido pelo pombalismo. Ainda no princípio, a esta formulação seguiu-se uma outra: talvez não houvesse um, mas vários conceitos de direito natural possíveis na época.
A constatação desta hipótese no decorrer do texto complicou bastante o trabalho: se antes já se tinha dúvidas quanto a possibilidade de imputar as conclusões sobre as idéias de Gonzaga aos advogados do princípio do século XIX, que dirá agora? A saída foi buscar na própria noção de interpretação o caminho para estender as considerações feitas à prática dos magistrados. Que esta era uma dor de cabeça para os reformadores, já está claro. O teor das discussões e difícil objetivo a alcançar não deixam dúvidas quanto a isto. Além disso, não se pode esquecer que a unificação da interpretação só podia ocorrer quando fosse estabelecido um corpo de leis que anulasse todo o anterior, permanecendo, como era o próposito pombalino, o direito romano apenas como subsidiário.
Mas não foi isto o que aconteceu. Tomás Antonio Gonzaga refere-se à ambivalência de muitas leis em vigor, e a impossibilidade - que persistiu por algum tempo, ainda - de estabelecer quais leis seriam válidas em cada caso. O problema é então maior: tentar uma interpretação sem sombra de certeza quanto ao uso de determinada lei. Gonzaga aventura que é preciso tentar conciliar as leis quando não se pode acessar o soberano:
É bem certo que sendo a vontade do legislador a que faz a lei, há de ser melhor toda a interpretação que for mais conforme à vontade dele. Daí vem que, quando do fim da lei não se pode coligir qual seja a tenção do soberano, devemos recorrer às outras leis antecedentes ou subseqüentes que tratam da mesma matéria, para vermos se dela a coligimos.(29)
Mas, mesmo assim, admite o largo campo de atuação no qual circulam os magistrados, já que acaba recomendando, baseado em Heineccius, que "toda a interpretação se deve fazer mais a favor de quem sente o dano do que a favor do que recebe o lucro"(30). Como saber quem é o favorecido em cada caso? A isto, Gonzaga não responde. Subentende-se que é uma dedução óbvia, ou que isto fica a critério do juiz. Óbvia ela não é: se fosse, processos semelhantes seriam sempre resolvidos da mesma maneira. Ficamos com a segunda opção: a resolução fica a critério do juiz e da competência dos advogados de cada lado em construírem uma argumentação convincente.
As conclusões do texto são, no fundo, enunciados de outros problemas. Eles não serão desenvolvidas no âmbito deste texto. Mas encerrar com perguntas um raciocínio que pressupunha, no início, a chegada a convicções talvez indique algum aprendizado.
Uma primeira questão está relacionada ao próprio contexto de época: mesmo sabendo que há várias conceitos de direito natural em interação, é possível delimitar as múltiplas interpretações construídas pelos magistrados em atuação no período em questão?
Diretamente relacionada com esta, uma outra: quais eram os fundamentos das interpretações destes magistrados? Afinal, apesar de claramente lidarem com o arcabouço conceitual do direito natural, o raciocínio encaminhado até aqui demonstra que esta não pode ser considerada uma chave única para o encaminhamento do problema: era plausível que alguns considerassem o fundamento teológico do direito natural, e outros seguissem bem mais de perto as idéias de Grotius e Pufendorf.
A hipótese, neste momento, não passa de suspeita: a resposta deve estar na própria forma como juízes e advogados leram as leis em vigor na época - o que significa um manancial de legislação que remonta ao século XV - e como estes escreveram seus libelos. O conteúdo propriamente dito da legislação talvez importe menos do que a construção do argumento. Mas isto ainda não passa de suposição.
Abstract
At the end of the XVIIIth. century, becoming a lawyer in Coimbra, Tomás Antonio Gonzaga wrote the Tratado de Direito Natural, with the intention to write the first book in Portuguese about the recent dispositions of natural law, joing the theological christian principles of the society's orientation. Basing in the original formulations about the concept of natural law, the purpose of this article is to discuss the concepts of Gonzaga, comparing with Grotius and Pufendorf, considered the founders of the "modern school of natural law", with Heineccius, who interpreted the ideas of these philosophers with a theological obliquity as Antonio Ribeiro dos Santos, his contemporaneous in Portugal. At the end, some considerations had been made about the conceptions of natural law observed on and after the government of Pombal, relating the interpretation possibilities from the magistrates, of the legislation in activity.
Key-words:
Referências Bibliográficas
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Notas
(1). Doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense. Orientadora: Professora Doutora Hebe Maria Mattos de Castro. Autora de Liberata - a lei da ambiguidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro : Relume Dumará, 1994.
(2). Até 1828, não havia cursos jurídicos no Brasil. Neste ano, foram criados os de Pernambuco (Olinda, logo depois Recife) e São Paulo. Antonio Luís Machado Neto, História das Idéias Jurídicas no Brasil. São Paulo : Grijalbo/USP, 1969.
(3). O Tratado de Direito Natural foi publicado pela primeira vez em 1942, numa edição organizada e prefaciada por Rodrigues Lapa. O texto figurava, até então, na Seção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa. O manuscrito foi copiado pelo pai de Tomás Antonio, o desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa João Bernardo Gonzaga, e assinado pelo próprio autor. Consta que o historiador Luiz Camelo de Oliveira tirou uma cópia fotográfica completa do texto, e a editou em apenso aos Autos da Devassa da Inconfidência. O texto é considerado obra inacabada por alguns, já que principia com o título Livro Primeiro, mas não há continuações. Rodrigues Lapa, "Prefácio", in Tomás Antonio Gonzaga, Obras Completas. São Paulo : Cia. Editora Nacional, 1942. Afonso Arinos de Melo Franco, Terra do Brasil. São Paulo : Cia. Editora Nacional, 1939.
(4). Antonio Braz Teixeira. O pensamento filosófico-jurídico português. Lisboa : ICLP, 1983.
(5). Tomás Antonio Gonzaga. Tratado de Direito Natural. Rio de Janeiro : MEC / INL, 1957, p. 9.
(6). Lapa, op. cit., p. XV.
(7). Gonzaga, op. cit., p. 97/98.
(8). Gonzaga, op. cit., p.125/127.
(9). O interessante é que Gonzaga não defende a concessão de privilégios a sacerdotes, como livrá-los do pagamento de impostos. Para ele, como estes usufruem, como os outros, dos bens e da segurança proporcionados pelo Estado, devem pagar por isso.
(10). Machado, op. cit., p.18.
(11). R.C. Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo : Martins Fontes, 1995.
(12). Huig de Groot (1583-1645), jurisconsulto e diplomata holandês, autor de Sobre o direito da guerra e da paz (1623).
(13). Grotius. De jure belli ac pacis, Prolegomena, sec. XI, apud Ernst Cassirer. A Filosofia do Iluminismo. Campinas : Editora da Unicamp, 1994, p.323.
(14). Samuel de Pufendorf (1632-1694), jurista e historiador alemão, autor de Sobre o direito da natureza e das gentes (1672).
(15). Johann Gottlieb Heineccius, jurista alemão, autor de Elementos de Filosofia Moral.
(16). Heineccius, apud Paul Hazard. El pensamiento europeo en el siglo XVIII. Madrid : Alianza Editorial, 1991.
(17). Gonzaga, op. cit., p. 128.
(18). Gonzaga, op. cit., p. 91.
(19). Idem, p. 28.
(20). Machado, op. cit., p. 81.
(21). Relatório geral da Junta da Providência Literária que comunicava ao rei os malefícios dos jesuítas, feito em 1770. Este texto foi a base para a confecção dos novos Estatutos da Universidade. Antonio Manuel Hespanha. "Sobre a prática dogmática dos juristas oitocentistas", in A História do Direito na História Social. Lisboa : Livros Horizonte, 1978.
(22). A boa razão é definida nesta lei, que ficou depois conhecida por Lei da Boa Razão, como "aquela que consiste nos primitivos princípios, que contém verdades essenciais, intrínsecas, e inalteráveis... que os Direito Divino e Natural formalizarão para servirem de regras Morais, e Civis entre o Cristianismo". Hespanha, op. cit., p. 81.
(23). Uso moderno do Pandectas (código romano), na expressão cunhada pelo jurista alemão Stryk, em livro do mesmo nome. Nuno Espinosa Gomes Silva, História do Direito Português - fontes de direito. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.
(24). 'Estatutos da Universidade de Coimbra", apud Arriaga, op. cit., p. 126.
(25). Suas idéias foram retiradas do livro de José Esteves Pereira, O pensamento político em Portugal no século XVIII. Antonio Ribeiro dos Santos. Lisboa : Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1983.
(26). Hespanha, op. cit., p. 73.
(27). "Que fiador têm os povos de que os magistrados pensaram como pensou o legislador?" Pereira, op. cit., p. 346.
(28). Estatutos da Universidade de Coimbra, cap. V, apud José Arriaga, A Filosofia Portuguesa, 1720-1820. Lisboa : Guimarães, 1980, 127/128.
(29). Gonzaga, op. cit., p. 146.
(30). Idem.